Participantes de audiência afirmam que falta de chuva não é causa única da escassez de água

Da Redação | 03/06/2015, 16h47

A escassez de chuvas está longe de ser a única ou principal explicação para a falta de água que vem afetando nos últimos tempos a população em diferentes regiões do país. O desperdício no uso diário e na distribuição, o comprometimento de mananciais em decorrência da poluição e o descaso com soluções tecnológicas simples e baratas para aproveitamento de água da chuva são outros fatores que contribuíram para a grave situação atual.

Essas foram as conclusões dos participantes de audiência pública sobre a crise hídrica no país, nesta quarta-feira (3), na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle. A audiência foi solicitada pelos senadores Regina Souza (PT-MA) e Donizeti Nogueira (PT-TO), que também se revezaram na coordenação dos trabalhos.

No país, em média, 200 litros diários de água são destinados ao consumo doméstico, registrou Antônio Gomes Barbosa, da organização Articulação Semiárido Brasileiro (Asa). Citando estudos acadêmicos, ele informou que 27% servem para beber e cozinhar, 25% para banho e higiene, 12% à lavagem de roupa e 3% para outros usos. Porém, nada menos que 33%, a maior parcela, servem às descargas dos vasos sanitários.

- A economia pode chegar a um terço caso exista duas redes de reuso: uma de água de chuva e outra resultante dos banhos e lavagens – disse.

Barbosa destacou o semiárido nordestino como exemplo de região marcada no passado por quadros graves de estiagens, motivo de fome, mortes e êxodo rural, e que hoje começa nova história. Ele disse que as soluções envolvem o uso de tecnologias simples, como as disseminadas pela Asa, a exemplo de cisternas e sistema de captação e tratamento de água da chuva. Com isso é possível garantir água para as famílias, animais e a produção familiar de alimentos, sem a necessidade de grandes barragens.

- Às vezes, a solução está em algo simples, mas o que se quer é construir coisas complexas e caras – criticou.

Demanda elevada

O secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Marcelo Medeiros, observou que o Nordeste apresenta quadro geológico que dificulta a reserva natural das chuvas. Quanto ao Sudeste, destacou que o estresse hídrico vem antes de tudo da demanda muito alta de água para o abastecimento urbano. Além disso, a elevada concentração de atividades comerciais e industriais provoca poluição e compromete a qualidade da água disponível.

- A perda de qualidade da água é maior em razão do lançamento de esgoto doméstico e industrial nos mananciais, que não são suficientemente tratados a ponto de se remover toda a carga de poluição – alertou.

Medeiros disse que o país já conta com uma legislação ambiental bem articulada, que pode favorecer uma gestão mais técnica e segura dos recursos hídricos, tanto no nível federal quanto nos estados. Salientou que mais da metade dos estados já dispõe de planos de recursos hídricos e quase todos cobram pela concessão de outorgas de uso.

- Água é bem público e de todos: tem que ter o seu uso regulado, e a outorga é o meio que sem tem para garantir acesso isonômico a esse recurso – defendeu.

Segundo dados apresentados pelo secretário, de 2013 a 2012 nada menos que 1.956 municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade em decorrência de secas. No caso da Região Sudeste, ele disse que a seca de 2014 foi a mais forte nos últimos 80 anos e estabeleceu novo patamar de análise para o fenômeno. Depois, defendeu modelos mais rigorosas de gestão da água, com gatilhos que, a partir de níveis de redução dos estoques, passem a determinar ações restritivas e obrigatórias de consumo.

Cantareira

A pesquisadora Luz Adriana Cuartas Pineda, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), informou que ficou abaixo da média esperada as precipitações da estação de chuva aberta em outubro. No Sudeste, observou, é difícil prever a reversão dos baixos níveis de reservatórios que abastecem as grandes metrópoles. No caso do sistema Cantareira, que atende boa parte do consumo da Grande São Paulo, a pesquisadora registrou que até 31 de março o volume armazenado se mantinha em 10% abaixo do nível.

Participou também da audiência Luiz Alberto de Mendonça, assessor de Assuntos Estratégicos do Ministério da Pesca. Ele salientou a importância de planos de gestão de água que leve em conta os usos múltiplos do recurso, inclusive na atividade pesqueira. A seu ver, a água deve ser compreendida como bem público e escasso. Para Mendonça, não existe alternativa para uma gestão eficaz sem a forte presença do Estado.

Simplicidade

A senadora Regina Souza reforçou a importância da valorização de tecnologias simples, já testadas, para atender regiões que enfrentam estiagens. Em relação aos programas oficiais para a construção de cisternas no semiárido nordestino, por exemplo, ela apelou para que os governos resgatem a concepção do equipamento construído localmente, em placas de cimento. Disse que essa solução representa um custo máximo de R$ 2 mil, propiciando um uso duradouro. A senadora também propôs que cisternas sejam construídas em todas as escolas.

Donizeti Nogueira disse que sugeriu a audiência pública porque vem testemunhando ao longo da vida a interferência humana sobre a natureza, afetando a qualidade e reduzindo a oferta de água, inclusive por meio da agricultura praticada em grande escala. Observou que sua região, o Centro-Oeste, os chamados veranicos secos não eram tão comuns como hoje e credita o problema sobretudo ao desmatamento para a expansão da agricultura.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)