Democracia é via para combate à corrupção, dizem convidados de audiência sobre golpe de 64

gorette-brandao e mmcoelho | 31/03/2015, 19h26

Durante audiência pública que rememorou  os 51 anos do golpe militar de 1964, nesta terça-feira (31), convidados manifestaram preocupação com apelos observados em recentes manifestações de ruas e pelas redes sociais a favor da volta dos militares ao poder político. Para todos, lembrar a data significa reafirmar que a democracia é o único caminho possível para o país enfrentar seus problemas, inclusive a corrupção.

Efetuada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), a audiência motivou alertas sobre a necessidade de mais debates e informações sobre as mazelas do período ditatorial, como a repressão às liberdades, torturas e assassinatos de opositores. Foi também destacada a interrupção de conquistas sociais e mudanças econômicas que vinham sendo debatidas à época.

O senador João Capiberibe (PSB-AP), autor do requerimento da audiência, afirmou que é graças à democracia que tantos escândalos estão sendo revelados atualmente no país, como os da Operação Lava-Jato e o do Swissleaks. Capiberibe disse que desvios de dinheiro sempre existiram, inclusive na ditadura e suas grandes obras.

— Portanto, graças à democracia, nós temos a oportunidade de fato de passar o Brasil a limpo — afirmou o senador.

O procurador federal Luciano Mariz Maia, adjunto da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, salientou que no período havia um “diálogo promíscuo” entre o empresariado e os militares, que favorecia o financiamento da atuação clandestina das forças de repressão e terror.

— Esta reunião é um esforço para que cada um de nós continue lutando pela liberdade de expressão, de reunião, pela verdade, pela reparação, para que nossos filhos e nossos netos entendam que por mais difícil que seja enfrentar a verdade na democracia, mais difícil ainda é não poder enxergá-la na ditadura — salientou.

Pesquisa

Para o jornalista Luiz Claudio Cunha, as manifestações pró-militares não vem apenas de um “grupo de idiotas” em posição de franca minoria e que, portando, deva ser menosprezada. Ele divulgou estudo patrocinado pela Universidade Vanderbilt, dos Estados Unidos, revelando aumento de apoio ao militarismo em alguns países do continente americano, sobretudo no Brasil. Em 2014, um em cada dois brasileiros justificaria um golpe em nome do combate à corrupção.

O jornalista, autor de livro que desnuda a colaboração entre aparelhos de repressão de países do Cone Sul nos anos 70, observou que a pesquisa mostra ainda que o apoio foi pouco expressivo em três países — Chile, Argentina e Uruguai. Depois, observou que neles as Comissões da Verdade tiveram êxito, com posterior punição aos comandantes e agentes da repressão.

— Isso nos leva a concluir que os três países fizeram o dever de casa: abriram investigações e executaram ações para responsabilizar os militares, colocando repressores e torturadores na cadeia — assinalou.

Formação militar

O professor Cid Benjamin concordou que houve avanço nas investigações dos crimes da ditadura em decorrência dos trabalhos da Comissão da Verdade, apesar do “boicote das Forças Armadas”. Segundo ele, a despeito de serem “necessárias e respeitadas”, essas instituições não podem “continuar dizendo que não houve tortura nos quartéis”. Para que se enquadrem ao regime democrático, acrescentou, também é necessário rever a formação dos novos oficiais militares.

— Senão, a gente está formando militares que, mesmo que não se metam na política agora, serão a médio e longo prazo uma ameaça constante à democracia — alertou.

Iara Xavier, do Comitê da Verdade do Distrito Federal, disse que os apelos pela volta do regime militar, nas recentes manifestações, motiva uma indagação: “Onde foi que erramos?”. Para ela, que perdeu dois jovens irmãos na ditadura, vitimas da repressão, o que se viu nas manifestações não foram apenas vozes isoladas.

— Foi uma classe média enfurecida, como enfurecida estivera em 64, achando que iria perder seus poucos privilégios — avaliou.

Raiz do problema

Para o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), é fundamental que o Brasil compreenda o que aconteceu nos 21 anos de ditadura, para que fatos iguais não voltem a acontecer. Ele chegou a sugerir que a gravação da audiência seja disponibilizada para escolas. Segundo o senador, as raízes do atual sistema político foram plantadas naquele período.

— É um absurdo total dizer que na ditadura não tinha corrupção. As causas do enriquecimento das empreiteiras estão lá — afirmou.

O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), adiantou que vai adotar a sugestão de Randolfe, para a divulgação dos depoimentos da audiência em escolas de todo o país. Segundo ele, a medida será proveitosa par mostrar à juventude o equívoco dos que foram às ruas pedindo a volta da ditadura.

Na visão de Lídice da Mata (PSB-BA), rememorar a história da ditadura é de fato a solução para evitar que a juventude seja levada a imaginar que "uma ditadura seja o melhor caminho para a organização da sociedade”.

O senador Donizeti Nogueira (PT-TO) disse que o avanço de posições conservadoras no atual debate político mostrou uma falha do governo atual, que buscou “criar soluções para os problemas do país, mas não em fazer a disputa de valores”.

Repúdio

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) destacou a oportunidade da audiência para mostrar  o quão terrível foi o período da ditadura militar. Ele afirmou que esse trecho da história do país precisa ser repudiado. Mais do que nunca, conforme a deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), o tema deve ser debatido nas escolas e nas universidades.

Patrick Lima, diretor de Relações Institucionais da União Nacional dos Estudantes (UNE) disse que ainda falta muito para o país avançar e que o caminho das soluções será sempre pela via democrática.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)