Senado reúne especialistas para propor mais atenção à primeira infância

Da Redação | 25/11/2014, 00h35

Semana de oficinas e palestras procura ampliar a conscientização sobre a importância da educação e do afeto para crianças até os 6 anos de idade, quando se define o tipo de comportamento social a ser vivenciado na fase adulta. Com inscrição gratuita para todos os interessados, evento terá especialistas brasileiros e estrangeiros que vão explicar o desafio sob diferentes aspectos

Começa hoje, no Senado, a Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, aberta ao público e com inscrição gratuita. É o sétimo ano consecutivo que a Casa promove o evento, que se consolida no calendário nacional de seminários consagrados à infância e que traz especialistas de diversos estados e de outros países para divulgar e discutir estudos e projetos desenvolvidos no Brasil e no mundo. Neste ano, o tema central é as “Neurociências e educação na primeira infância: progressos e obstáculos”.

A primeira infância vai de zero a 6 anos de idade, fase primordial no desenvolvimento físico e psíquico, na formação da personalidade e na consolidação da convivência familiar e comunitária.

Até quinta-feira, a programação acontece no Senado, com 14 oficinas conduzidas por especialistas e previsão de 500 participantes no Auditório Petrônio Portella, no auditório do Interlegis e no auditório e em salas do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB). Na sexta-feira será a vez de a programação acontecer na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), quando são esperadas 200 pessoas.

O objetivo é apresentar novas informações da ciência e da prática educacional que contribuam para que o poder público e a sociedade deem mais atenção à primeira infância como fase primordial da formação e do desenvolvimento da pessoa.

A semana tem como principal público-alvo pedagogos, educadores, médicos, psicólogos, legisladores, representantes dos Poderes Executivo e Judiciário, gestores públicos e privados nas áreas de educação, saúde, ­desenvolvimento social e direitos humanos, professores e estudantes universitários, profissionais de imprensa, membros de organizações não governamentais e instituições da sociedade civil.

Vínculo afetivo

A coordenadora da Comissão da Primeira Infância e Cultura de Paz do Senado, Lisle Heusi de Lucena, destaca a importância do envolvimento da família e do vínculo afetivo nessa fase da vida da criança.

— O cérebro da criança, aos 6 anos, já tem metade do tamanho do de um adulto. O carinho dos pais nessa fase é fundamental para que ela não venha a se tornar uma pessoa agressiva no futuro — afirmou.

Lisle também falou sobre a escolha do tema do evento, que se deu por meio de um comitê científico da comissão, que conta com professores de Brasília, São Paulo e da Universidade de Paris.

— Vamos discutir o conceito da epigenética, que é a forma como a criança se desenvolve de acordo com o ambiente em que foi criada. Uma criança sem vínculo afetivo tem tudo para se tornar um adulto agressivo — explicou Lisle.

Outro ponto abordado pela coordenadora foi a falta de preparo dos cuidadores das creches e abrigos públicos no Brasil. Segundo Lisle, falta competência para os profissionais que cuidam das crianças.

— Muitas delas são maltratadas, até abusadas sexualmente. O governo tem que investir na melhoria das creches, na valorização do professor e melhorar o conhecimento que esses profissionais precisam ter sobre essa fase da vida da criança.

Debatedores

Entre os destaques do evento, estão as francesas Françoise Molénat, psiquiatra, e Bernadette Rogé, psicóloga. Françoise vai falar sobre o tema “Estresse e gravidez: impacto do ambiente humano”. Bernadette abordará o assunto “Autismo precoce e neurociências”.

Entre os especialistas brasileiros convidados, estão a neurocientista e bióloga Suzana Herculano-Houzel, conhecida pelo trabalho de divulgação científica, inclusive por meio de colunas publicadas por grandes jornais. Professora universitária, ela fará amanhã uma conferência sobre o tema “De matéria-prima a escultura: a neurociência do desenvolvimento infantil e do aprendizado”.

Alfred Sholl-Franco, biofísico e neurocientista que integra o corpo de professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abordará o tema “Neurociências e educação: desafios e perspectivas na primeira infância”, também amanhã.

Outros especialistas brasileiros que participarão das oficinas e conferências serão a psicóloga Maria Clara Nassif, o pediatra Antonio Marcio Lisboa, o nutricionista Bruno Araujo, a psicanalista Claudia Mascarenhas e Jaqueline Wendland, psicóloga brasileira radicada em Paris, representante da Universidade Paris Descartes. A instituição e a Embaixada da França são parceiras do Senado no evento.

Na Biblioteca do Senado, haverá, amanhã, lançamento de livros de Maria Clara e de Sholl-Franco.

Audiência conjunta

Amanhã as Comissões de Educação, Cultura e Esporte (CE), de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Assuntos Sociais (CAS) farão, às 10h, audiência pública conjunta para tratar dos aportes das neurociências à compreensão do desenvolvimento infantil. O debate estará aberto à participação interativa de internautas, pelo Portal e-Cidadania do Senado. Especialistas que participam das conferências estarão na audiência. A proposta do debate foi dos senadores Ana Rita (PT-ES) e Cyro Miranda (PSDB-GO).

Marco legal em exame no Congresso estabelece prioridade para crianças

Está em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei que prevê a instalação do Marco Legal da Primeira Infância. A proposta inclui no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) direitos específicos para crianças de zero a 6 anos de idade. De autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), o texto define que crianças nessa faixa etária terão prioridade no atendimento das políticas públicas, especialmente aquelas que se encontram em situação precária. O projeto também proíbe a publicidade infantil na televisão entre as 8h e as 18h. O relator da proposta, deputado João Ananias (PCdoB-CE), destaca a importância do projeto.

— Os estudos mais recentes da neurociência mostram que é a fase de vida absolutamente importante e de uma especificidade muito grande, porque é o período em que acontecem as formações dos neurônios, das sinapses, a formação do cérebro nas áreas mais críticas na área da inteligência, do afeto, do aprendizado e muitas outras áreas. E essas áreas se comunicam entre si. E está provado que quando há maus-tratos, quando há omissões, quando há estresse prolongado nessa fase da primeira infância, de zero a 6 anos, a formação dessa sinapse ocorre num número menor. Então, isso dura para o resto da vida e fica comprometido.

A proposta do marco legal foi apresentada pela Frente Parlamentar da Primeira Infância e está sendo analisada por uma comissão especial, que já fez ­audiências públicas e seminários com vários especialistas. O deputado João Ananias está reunindo ­dados para apresentar o ­relatório.

— Nós estamos discutindo no Brasil todo, já fizemos vários encontros de audiências públicas e seminários, para poder colher o máximo de propostas para fazermos um grande relatório e podermos contribuir com políticas públicas mais férteis e mais pródigas em relação à primeira infância — afirmou o deputado.

O senador Paulo Paim (PT-RS) salienta que aprovar o projeto quanto antes é fundamental.

— Sou um generalista. Minha atuação no Parlamento está pautada pelas grandes causas sociais. Regulamentar o direito das crianças de até 6 anos pode garantir que elas tenham uma infância com maior qualidade e o mais importante: segurança.(Com Rádio Câmara)

Cultura da paz combate a violência por meio do diálogo

O movimento Aliança pela Infância define a cultura de paz como um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida que se baseiam, entre outros, no respeito à vida, ao ser humano e à dignidade; no combate à violência pela educação, pelo diálogo e pela cooperação; e na adesão aos princípios de liberdade, justiça, solidariedade e tolerância, buscando a compreensão entre povos, comunidades e pessoas.

Os princípios estão na Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 1999. O texto conclama todos para agregar à prática diária o compromisso com o respeito à vida, o combate à violência, o exercício da generosidade, a preservação do planeta e a solidariedade.

A década 2001–2010 foi decretada pela ONU como a Década Internacional pela Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo. Para guiar as ações, elaborou-se o Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz, que traz seis pilares: respeitar a vida, rejeitar a violência, ser generoso, ouvir para compreender, preservar o planeta, redescobrir a solidariedade.

O tema tem reunido profissionais, ONGs e movimentos que querem garantir às crianças direitos fundamentais.


Qualidade da vida até os 6 anos define fase adulta

A primeira infância, segundo o Instituto Camargo Corrêa, é a base para todas as aprendizagens humanas. Estudos mostram que a qualidade de vida de uma criança entre o nascimento e os 6 anos de idade pode determinar as contribuições que dará à sociedade quando adulta. Se esse período incluir suporte para o crescimento cognitivo, desenvolvimento da linguagem, habilidades motoras, adaptativas e aspectos socioemocionais, a criança terá uma vida escolar bem-sucedida e relações sociais fortalecidas.

Aliado à boa alimentação, o estímulo adequado às crianças de até 6 anos gera benefícios que vão do aumento de aptidão intelectual (que qualifica o acompanhamento escolar e diminui os índices de repetência e de evasão escolar) à formação de adultos preparados para aprender a lidar com os desafios do cotidiano. Nesse sentido, a educação infantil tem papel primordial.

A primeira etapa da educação básica complementa a ação da família no desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social. Oferecida em creches ou entidades equivalentes para crianças de até 3 anos de idade e em pré-escolas para crianças de 4 e 5 anos, a atividade exige atenção especial.

Estudos demonstram que é durante a primeira infância que o cérebro humano desenvolve a maioria das ligações entre os neurônios. Até os 3 anos de idade, as cerca de 100 bilhões de células cerebrais com as quais uma criança nasce desenvolvem 1 quatrilhão de ligações. O número é o dobro de conexões que um adulto possui. Aos 4 anos, estima-se que a criança tenha atingido metade do  potencial intelectual.

Quando focado em famílias em situação de pobreza, o desenvolvimento infantil pode romper um ciclo de falta de oportunidades. No Brasil, o grupo é um dos mais vulneráveis da população. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2006), quase metade (45%) das famílias brasileiras com crianças de zero a 6 anos vive com rendimento mensal per capita de até meio salário mínimo. Altas taxas de mortalidade, desnutrição infantil, falta de registro civil, violência doméstica e a tradição do cuidado básico em detrimento da prática educacional são algumas das condições adversas ao pleno desenvolvimento infantil que devem ser observadas em políticas pública.


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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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