Com ou sem capital estrangeiro, saúde precisa de mais investimento público, defendem debatedores

Augusto Castro | 03/06/2013, 22h45

Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) na noite desta segunda-feira (3), senadores e debatedores defenderam mais investimentos públicos para o setor de saúde, ampliação da rede de atendimento e melhoria da gestão, independentemente da participação de capital estrangeiro. O debate se deu em torno do projeto de lei (PLS 259/2009) que amplia as hipóteses de participação de empresas e capital estrangeiros na assistência à saúde.

Mais investimentos

O primeiro vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, afirmou que há um consenso entre os médicos a respeito da necessidade de investimentos públicos ou privados. Ele argumentou que União pode destinar mais recursos do Orçamento. Segundo ele, o poder público brasileiro financia 44% de todo o setor de saúde, quando o número ideal seria de, pelo menos, 70%. O governo inglês, ressaltou, financia 84% do gasto total em saúde naquele país.

Ainda de acordo com o representante do CFM, embora a saúde pública responda pelo triplo do número de atendimentos, os investimentos privados são duas vezes maiores do que os feitos por União, estados e municípios. Carlos Vital criticou o fato de R$ 36 bilhões terem ficado retidos no Ministério da Saúde nos últimos cinco anos, R$ 9 bilhões apenas em 2012, devido à falta de projetos e má gestão. Em sua opinião, privatizações e terceirizações, com capital nacional ou estrangeiro, podem ajudar a saúde brasileira, mas não resolverão o déficit do setor.

Mais leitos

Favorável à participação de capital estrangeiro na saúde, o diretor da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), Daniel Coudry, informou que o Brasil possui 450 mil leitos hospitalares, sendo 64% privados e 36% públicos. Segundo ele, 18 mil leitos “foram perdidos nos últimos cinco anos”. Enquanto isso, no mesmo período, cinco milhões de novos usuários entraram no sistema. De acordo com Coudry, o Brasil, que tem cerca de 6 mil hospitais, com média de 70 leitos cada, precisa de 14 mil novos leitos nos próximos três anos, apenas para atender o aumento da demanda do setor privado.

Expansão do serviço

O diretor da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Fausto Pereira dos Santos, afirmou que a ampliação de investimentos estrangeiros não será a salvação da saúde, mas reconheceu a importância da entrada desses recursos no setor. Ele defendeu, no entanto, que isso seja condicionado à ampliação e expansão dos serviços, evitando-se a mera transferência de propriedade de hospitais.

Fausto Santos disse que o país tem grande déficit de leitos públicos e privados, principalmente os de maior complexidade. Ele lembrou que o capital internacional já está presente na saúde brasileira, em especial por meio das operadoras de planos de saúde. E ressaltou que os investimentos em novos leitos são muito baixos atualmente.

Fortalecimento do SUS

A presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro Souza, defendeu que a prioridade do governo brasileiro deve ser o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Em sua opinião, “os sistemas público e privado estão em crise”, o que pode ser constatado pelas greves de médicos e outros profissionais, existência de medicamentos adulterados, carência de profissionais qualificados, baixos investimentos públicos e privados e gestão ineficiente.

- A proteção social sempre foi baixa no Brasil. Saúde não é um mercado, é um setor social e produtivo muito importante – disse Socorro ao posicionar-se contra o PLS.

Ela também afirmou que o país necessita investir mais em pesquisas e tecnologias nacionais, para diminuir a dependência internacional. A representante do CNS também colocou em dúvida a capacidade do governo em regular o setor, se a ampliação da participação de capital estrangeiro for aprovada.

Concorrência

Por sua vez, o representante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Kenys Menezes Machado, disse que a principal preocupação da entidade é com a concorrência no setor, independente de o capital investido ser nacional ou estrangeiro. Para ele, os investimentos devem proporcionar o aumento do número de hospitais e leitos e da qualidade do atendimento, sem que o mercado fique concentrado na mão de poucos conglomerados.

Gestão ineficiente

Já o diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Bruno Sobral do Carvalho, afirmou que “o investimento estrangeiro não é uma panaceia", embora seja importante para aumentar a concorrência no setor. Quanto mais oferta de capital, argumento Carvalho, mais o setor será ampliado e melhorado.

Segundo ele, a quantidade de beneficiários de planos de saúde vem aumentando muito mais que o número de novos hospitais privados ou filantrópicos. O representante da ANS também disse que a gestão dos hospitais brasileiros é ineficiente e inadequada.

Carvalho informou que a maioria dos hospitais do país possui em média 50 leitos, quando o ideal seria entre 150 e 200.

- O controle estrangeiro de hospitais pode ajudar na profissionalização da gestão e aumentar pesquisas e inovação – disse Carvalho.

Debate

Além do presidente da CAE, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), também participaram do debate os senadores Vital do Rêgo (PMDB-PB), relator do PLS na comissão, Humberto Costa (PT-PE) e Eduardo Suplicy (PT-SP). Eles concordaram que a saúde brasileira necessita de mais investimentos públicos, regulação forte e ampliação de leitos. Lindbergh pediu ao relator esforço para que a proposta seja votada ainda este semestre. Vital disse que pedirá notas técnicas específicas sobre o projeto de cada órgão ou entidade envolvida para embasar a feitura de um substitutivo.

O projeto

O PLS 259/2009 amplia as hipóteses de participação de empresas e de capitais estrangeiros na assistência à saúde no Brasil. Além das hipóteses já previstas na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), prevê que a participação poderá ser feita em pessoa jurídica organizada sob a forma de sociedade anônima e em hospital geral filantrópico.

No caso de pessoa jurídica, o projeto prevê que a empresa deverá ter no mínimo 51% de capital votante pertencente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos; ser destinada a instalar, operacionalizar ou explorar hospital geral, laboratórios de análises clínicas, de anatomia patológica e de genética humana; serviço de fisioterapia e de diagnóstico por imagem; ações e pesquisas de planejamento familiar; seguro-saúde e plano privado de assistência à saúde.

O projeto estabelece várias restrições à participação de empresas e de capitais estrangeiros na assistência à saúde. Isso para evitar, segundo o autor, senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), “que algumas atividades assistências consideradas estratégicas e de interesse nacional sejam controladas pelo capital estrangeiro.

Entre elas estão hospitais com número de equipamentos de hemodiálise superior a 10% do número de leitos. Também ficam impedidas de participar em hospitais cuja taxa de ocupação de leitos por paciente submetidos à cirurgia cardiovascular, terapia ou propedêutica hemodinâmica ou transplantes de órgãos, tecidos, partes do corpo humano, quimioterapia e radioterapia seja superior a 30% da taxa de ocupação total de leitos.

Atualmente, a participação de empresas e capitais estrangeiros na assistência à saúde é permitida somente em dois casos: doações de organismos internacionais vinculados à ONU, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos, e ainda serviço de saúde sem finalidade lucrativa, mantido por empresa para atendimento dos seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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