Niemeyer e sua poesia concreta

Ricardo Westin | 07/12/2012, 20h50

Oscar Niemeyer, morto na quarta-feira (5), aos 104 anos, criou obras que não correm o risco de serem confundidas nem pelo observador mais desavisado, de tão fabulosas que são. Das colunas graciosas do Palácio da Alvorada às ondas precisas do Edifício Copan, do arco delicado do Sambódromo às cúpulas robustas do Congresso Nacional, ele era dono de traços únicos, só seus.

Niemeyer se atreveu a romper com o paradigma da linha reta na arquitetura. Percebeu que o concreto, até então duro e pesado, poderia também ser flexível e leve. As curvas se tornaram sua marca. Graças a essa ousadia, prédios se transformaram em obras de arte.

— Não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida — disse.

Os projetos iniciais de Niemeyer ganharam vida nos anos 30. As curvas surgiriam na década seguinte, com as construções erguidas às margens da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, a convite do prefeito Juscelino Kubitschek. A grande estrela da Pampulha é a igreja — uma sucessão de tetos parabólicos de diferentes tamanhos. As curvas foram tão revolucionárias que o bispo se recusou a reconhecê-la como templo.

Outro mérito de Niemeyer foi dar prestígio internacional à arquitetura brasileira. Isso começou em 1960, quando os olhos do mundo se voltaram com espanto e admiração para a recém-inaugurada Brasília. Juscelino, presidente, repetia a parceria com o arquiteto. A ideia de JK era marcar bem claramente a passagem do Brasil agrário para o Brasil urbano e industrial, do Brasil arcaico para o Brasil do futuro.

Oscar Niemeyer nasceu no Rio, em 1907. Vinha de uma família respeitada — seu avô era ministro do Supremo Tribunal Federal. Entrou no curso de Arquitetura tardiamente, com mais de 20 anos. Com muita vontade de aprender, ofereceu-se para trabalhar sem salário no escritório de Lucio Costa, já um expoente da arquitetura nacional. Foi lá que, como desenhista, conheceu o mestre franco-suíço Le Corbusier. Mais tarde, assinaria com ele o prédio da ONU em Nova York.

Niemeyer não se conformava com as injustiças sociais. Por isso, abraçou a ideologia comunista. Quando os militares deram o golpe, em 1964, sofreu perseguição. A redação da Módulo, revista de arquitetura que ele dirigia, foi invadida e destruída. Seus novos projetos para a capital foram boicotados pela ditadura — o aeroporto, por exemplo, nunca saiu do papel. Niemeyer achou por bem exilar-se na França.

No exílio, projetou a sede do Partido Comunista Francês, em Paris, o prédio da Editora Mondadori, em Milão, e a Universidade de Constantine, em Argel, entre muitos outros prédios. Ele só voltaria para o Brasil no início dos anos 80.

— Há arquitetos que fazem um prédio de sucesso e depois só repetem a fórmula. Niemeyer, não. A Procuradoria-Geral da República não se parece com o Supremo. O MAC [Museu de Arte Contemporânea, em Niterói] não se parece com a Pampulha. São obras diferentes, mas que têm em comum a invenção, a originalidade e a surpresa — diz o arquiteto Cláudio Villar de Queiroz, que trabalhou com Niemeyer na Argélia.

Niemeyer nunca cogitou a hipótese de se aposentar. Trabalhou apaixonadamente, no escritório de Copacabana, até os últimos anos. Quando projetou o MAC, tinha mais de 80. Pedro da Luz Moreira, um dos diretores do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), explica o museu de Niterói:

— Tudo ao redor compete com o MAC. Há a baía, o Corcovado, o Pão de Açúcar. A paisagem não precisaria de outro ícone. Consciente disso, Niemeyer conseguiu inserir um elemento que tem a proporção exata e se encaixa na paisagem com leveza, sem ser desastrado nem cafona. É uma proporção dificílima de se acertar.

Ele completaria 105 anos no sábado da semana que vem.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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