Previdência: regra de 1999 ‘corrói’ aposentadorias

Da Redação | 11/04/2012, 19h50

No Brasil, o requisito básico para entrada na aposentadoria é a idade. Os homens podem se aposentar aos 65 anos; as mulheres, aos 60. Uma segunda regra permite que muitos se aposentem antes. É o tempo de contribuição com o INSS: os homens, após contribuir por 35 anos; as mulheres, após 30.

A regra foi elaborada para beneficiar as pessoas que começaram a vida profissional cedo. Evita que sejam forçadas a trabalhar anos demais. Seria irretocável se não fosse por um senão. A aposentadoria fica consideravelmente mais baixa que o salário da ativa — 30%, em média. No pior cenário, a renda do aposentado encolhe 50%.

O desconto brutal é provocado pelo fator previdenciário, uma fórmula instituída em 1999, no governo FHC, para desestimular as aposentadorias precoces. Se muitas pessoas que trabalham desde jovens contam os dias para a aposentadoria, é porque ignoram que o redutor as aguarda no final.

– É como um consórcio. Você passa a vida inteira pagando as prestações de uma Ferrari, mas no final recebe um Fusca. É inaceitável — compara Moacir Meirelles de Oliveira, presidente interino da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas.

Mão pesada

Quanto mais longe da idade mínima (65 ou 60 anos) a pessoa se aposenta, mais pesada é a mão do fator previdenciário.

Vale lembrar que aposentadoria é prejuízo mesmo em condições normais. O trabalhador perde vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde. No setor privado, além disso, não existe aposentadoria superior a R$ 3.916, o teto do INSS.

O fator previdenciário acabou não tendo o efeito desejado pelo governo. As pessoas não estão adiando a aposentadoria. A idade média no momento de pedir o benefício é de 53 anos.

Tão logo passam a receber do INSS, essas pessoas conseguem um novo emprego. Caso prefiram, nem sequer deixam o último trabalho. Assim, acumulam duas fontes de renda: aposentadoria e salário.

Isso é perfeitamente legal. Estão nessa situação 800 mil brasileiros, incluindo o motorista de ônibus José Severino da Silva, de 54 anos. Ele, que trabalha desde os 17, aposentou-se no ano passado. Sua aposentadoria é de R$ 1.600, inferior aos R$ 2.300 do salário da ativa. Ele não se resignou: mesmo aposentado, não deixou os ônibus de Brasília.

— Se vivesse só da aposentadoria, eu não conseguiria manter a casa, bancar a faculdade do filho e pagar um bocado de contas. Sorte que tenho saúde.

O tiro do governo saiu pela culatra. Em vez de inibir, o fator estimula a aposentadoria precoce. Na prática, o benefício do INSS vira uma renda extra. Isso é tentador no curto prazo.

Mas não no longo prazo. Mais tarde, já idosas e sem a mesma disposição para o trabalho, essas pessoas perderão o salário e terão só a aposentadoria.

Sem recálculo

Além de já estar corroída pelo fator previdenciário, a aposentadoria não sofrerá aumento. Os anos de contribuição com o INSS no segundo período de trabalho de nada servem. A lei não permite recálculo da aposentadoria. A contribuição desembolsada todo mês pelo aposentado que continua trabalhando apenas abastece os cofres da Previdência Social.

Em suma: quando pararem de trabalhar definitivamente, sofrerão um golpe ainda mais devastador no orçamento.

O fim do fator é reivindicação dos sindicatos. Até o ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho, afirma que deseja derrubá-lo.

— Todo mundo atira nesse fator, que é a Geni do sistema previdenciário. Ele é maldito — diz o ministro, citando a célebre música de Chico Buarque.

O Congresso estuda projetos que o sepultam. O mais adiantado (PLS 296/03) é do senador Paulo Paim (PT-RS), que passou no Senado e já pode ser votado no Plenário da Câmara.

— Não há fator para o servidor público, que tem aposentadoria de até R$ 27 mil. Só vale para o trabalhador da iniciativa privada, que não recebe mais que R$ 3.900. Adivinhe quem paga a aposentadoria integral do servidor público... O fator tira dos pobres e dá aos ricos — explica Paim.

Enquanto o redutor resiste, o trabalhador pode tomar dois caminhos. Um é adiar a aposentadoria: quanto mais anos extras trabalhar, menor será o efeito do fator previdenciário. Outro é se aposentar, voltar a trabalhar e recorrer à Justiça pedindo a "desaposentação" — renunciar provisoriamente à aposentadoria, para adiante recebê-la recalculada, mais polpuda (algo que não está na lei). Os tribunais têm sido sensíveis a esse tipo de demanda.

Ricardo Westin / Jornal do Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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