Itamar Franco se diz preocupado por violação da Constituição dentro do Estado de Direito

Da Redação | 24/02/2011, 17h26


O senador Itamar Franco (PPS-MG) leu em Plenário, nesta quinta-feira (24), o discurso que o deputado Ulysses Guimarães fez em 5 de outubro de 1988, durante a promulgação da Constituição. Em um trecho do pronunciamento, Ulysses diz: "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria".

- Fiz questão de ler porque ontem, no meu entendimento, violamos a Constituição, e violamos no Estado de Direito. Isso é preocupante - afirmou o ex-presidente da República, referindo-se à votação, no dia anterior, do projeto de lei que reajustou o valor do salário mínimo e permitiu que o governo defina, por decreto presidencial, esse valor, nos próximos anos.

Itamar Franco disse que o governo de Dilma Rousseff adotou, ao ver aprovado o projeto que propôs, seu primeiro "ato institucional" - uma referência aos atos institucionais editados pela ditadura militar em recente período da história brasileira. Disse não ter liberdade para pedir à presidenta que lesse o pronunciamento de Ulysses Guimarães, mas manifestou a esperança de que "talvez um dia ela possa lê-lo".

O representante do PPS lembrou a frase do ex-ministro Octávio Mangabeira, na qual ele comparava a democracia brasileira a uma planta frágil, que devia ser regada todos os dias, para que não perecesse.

- Quando a gente começa, aos poucos, violando a Constituição, o estado democrático começa a desaparecer. Nós assistimos isso no Brasil. Oxalá os senadores que agora estão chegando, como eu, possam meditar, não nas minhas palavras, mas nas palavras do grande Ulysses Guimarães, daquele PMDB que nós conhecemos, não neste PMDB de agora - afirmou o ex-presidente.

Eis a íntegra do discurso de Uysses Guimarães lido por Itamar Franco em Plenário:

"Chegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora. Bem aventurados os que chegam. Não nos desencaminhamos na longa marcha, não nos desmoralizamos, capitulando ante pressões aliciadoras e comprometedoras, não desertamos, não caímos no caminho.

Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção. Tem substância popular e cristã o título que a consagra: "A Constituição cidadã"

A Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos municípios. O desgoverno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade primeiro os paços municipais, arranca as grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto.

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.

Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.

A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.

Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro de cinco anos. Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos.

O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.

Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno. Nosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa.

Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. Uma delas, benfazeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereço.

Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-Já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: 'Mudar para vencer!' Muda, Brasil!"

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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