Freud: Ícone da cultura moderna

Da Redação | 24/11/2010, 22h08

Embora tenha nascido em 1856, Sigmund Freud está entre os grandes nomes da cultura do século 20, que ajudou a fundar com suas ideias revolucionárias sobre o inconsciente e a sexualidade. O pé no século 19 nos auxilia a entender os traços ditos conservadores da personalidade marcante do Pai da Psicanálise, como sua posição liberal em economia e política, que o levou a olhar o socialismo com reservas.

O casamento de Freud, por exemplo, foi bastante convencional, à moda do século 19. Martha Bernays fez-se uma esposa dedicada e dócil: deu-lhe seis filhos e apoiou o marido, propiciando-lhe uma vida familiar restauradora para um homem que enfrentava batalhas desgastantes.

Os próprios psicanalistas hoje questionam alguns pontos "datados" de sua visão sobre a mulher, lembrando, entretanto, que ele foi fundamental na investigação das neuroses sexuais enraizadas nos casos de histeria tão comuns ao tempo em que o jovem estudante de medicina iniciava-se na busca de explicações para os fenômenos da mente.

Sem sombra de dúvida, levar as mulheres a falar e aceitar sua sexualidade, por meio das associações livres, foi de extrema importância no processo de emancipação do gênero. E é notável que façam parte do universo freudiano personagens do porte de Anna, sua filha e também psicanalista; a escritora e feminista Lou Andreas-Salomé; e outra psicanalista especialmente atuante no campo do estudo e atendimento de crianças, Melanie Klein.

Ainda assim, o sexo feminino afigura-se um enigma indecifrável para Freud. Sua célebre questão "afinal, o querem as mulheres?" inspira debates e, no momento, serve de mote para uma minissérie da TV Globo. A relevância do primeiro psicanalista no imaginário atual se expressa no cartaz da produção, no qual um mundo inteiro de imagens sai da cabeça de Freud, sugerindo a mítica Caixa de Pandora.

Num outro tema bastante atual, o da homossexualidade, Freud ousou mais: fez de seus próprios impulsos objetos de exame, inclusive no que se refere à interpretação de sonhos.

Essa atenção à sexualidade, notadamente a infantil, foi a fonte dos grandes obstáculos que as teorias de Freud e outros pioneiros da Psicanálise enfrentaram no início do século 20. Resíduos das acusações de apologia ao sexo e à pornografia permanecem até os dias de hoje.

Mas, a exemplo de Einstein, dos Beatles e de Che Guevara, Sigmund Freud é um ícone presente e reaproveitado, sem que aparentemente se desgaste. A efígie simpática do senhor austero e barbudo, com bloquinho de anotações à mão, capaz de entender os labirintos da mente humana, é um prato cheio para editores, publicitários e chargistas. E o chiste, uma categoria que Freud estudou tão carinhosamente, ajuda a perpetuá-lo. Afinal, poucos ainda não recorreram ao "Freud explica!" para referir-se a comportamentos ambíguos ou extravagantes?

Apesar de ele próprio ter advertido que "um charuto às vezes é apenas um charuto", acabou inspirando uma legião de indivíduos que não se detêm diante de aparências e palavras formais, buscando significados ocultos em lapsos e atos falhos.

A verdade é que o mundo não foi mais o mesmo depois de Freud. Quem nada conhece sobre suas descobertas usa indiscriminadamente as expressões "complexo de culpa" "ego" e "superego". E é certo que a análise clínica, vista durante muito tempo como coisa de desequilibrados ou inseguros, atualmente está incorporada à vida de grandes faixas da população em toda parte. Estendeu-se inclusive à esfera da mídia e das publicações, por meio dos programas e colunas de consultas e dos livros de auto-ajuda.

Se o fundador da Psicanálise tornou-se um emblema divertido, sua trajetória foi das mais árduas e pontuada de episódios dolorosos. Os mais conhecidos são o câncer do palato que o acabou matando em 1939, aos 83 anos, e a fuga da perseguição nazista aos judeus em 1938, partindo de Viena. Seus dias finais foram passados na Rua Maresfield Gardens, em Londres, onde um museu mantém a salvo o primeiro divã usado pelo primeiro paciente, um dos ícones mais caros à Psicanálise.

O gênio de Freud e o compromisso dele com a pesquisa magnetizou não apenas desbravadores da estirpe de Karl Abrahams, Ernest Jones, Carl Gustav Yung e Sandor Ferenczi, mas várias gerações de grandes pensadores e analistas vinculados à Associação Pisicanalítica Internacional.

A seriedade dos estudos e uma reverência, ainda que não ausente de crítica, à herança de seu mestre têm levado os psicanalistas a serem vistos como membros de um clube conservador - quando não de uma seita. O fato é que há cem anos a Psicanálise assume suas responsabilidades frente aos desafios psíquicos humanos, por meio de um pensamento extremamente articulado, ideias originais e uma clínica cuidadosa.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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