Participação da sociedade na produção legislativa ainda é restrita

Da Redação | 30/09/2008, 18h13

Duas décadas após a promulgação do texto constitucional de 1988, ainda é restrita a participação direta da população brasileira na formulação e votação de leis. Idealizada pelos constituintes como um contrapeso às imperfeições do sistema representativo, a chamada legislação participativa ainda se ressente de mecanismos incipientes de acesso ao Parlamento e da própria fragilidade da organização popular, conforme analistas.

De 1988 até agora, apenas três projetos de lei de iniciativa popular foram transformados em lei e um está em tramitação. Como a Câmara dos Deputados, encarregada de receber esse tipo de proposta, alegou falta de condições técnicas para conferir as assinaturas e os números dos títulos de eleitor dos cidadãos (mais de um milhão) que enviaram os projetos, estes tiveram de receber a assinatura de parlamentares para poderem tramitar.

O primeiro desses projetos, o de nº 2.710/92, que tratava da criação de um fundo de moradia popular, levou 13 anos até ser aprovado, tendo como co-autor o deputado Nilmário Miranda (PT-MG). Foram igualmente transformados em leis os projetos de lei 4.146/93 (Lei 8.930/94, que trata de crimes hediondos) e 1.517/99 (Lei 9840/99, que altera o código eleitoral). Se este último teve a co-autoria do então deputado Albérico Cordeiro (PTB-AL), o projeto dos crimes hediondos foi transformado num projeto de lei do Executivo tendo a iniciativa popular como co-autora.

Os crimes hediondos foram objeto de outra iniciativa, o Projeto de Lei 7.053/06, que recebeu a parceria do deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), mas ainda está para ser votado.

Comissões de Legislação Participativa

Como saída para aumentar o canal de comunicação entre o Congresso e a sociedade, foram criadas as comissões de legislação participativa da Câmara e do Senado, em 2001 e 2002, respectivamente. Essas comissões recebem sugestões de leis assinadas não por grupos de cidadãos, o que obrigaria o comprometimento de 1% do total de eleitores, mas por entidades organizadas e representativas da sociedade.

Só que, ao contrário dos projetos de iniciativa popular, estes não têm tramitação obrigatória. São apenas sugestões analisadas para eventual encaminhamento com a assinatura das próprias comissões do Senado e da Câmara.

Desde sua criação, a CLP da Câmara recebeu 633 sugestões -média de 90,4 por ano -, das quais 149 foram transformadas em projetos de lei e 81 em emendas ao Orçamento (os dados estão sendo revistos). Uma delas, encaminhada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, foi convertida na Lei 11.419/2006, que trata da informatização do processo judicial. A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) informou não ter tabulado seus números, ainda.

De acordo com a pesquisadora Tassiana Cunha Carvalho, autora de um trabalho sobre a legislação participativa na Câmara, o mecanismo ainda pode ser considerado pouco efetivo. As razões seriam "a falta de informação e um suposto desinteresse e despreparo técnico da sociedade civil para a participação no processo político; limitações regimentais; dificuldades na aprovação desse tipo de matéria por aquela Casa; e um aparente descrédito por parte dos parlamentares no que se refere ao instrumento legislação participativa".

A participação popular na Constituição

No que se refere à chamada democracia direta, o texto da Constituição promulgado em 1988 não sofreu qualquer alteração. O artigo 14 estabelece que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei", por meio de plebiscito, referendo e iniciativa popular.

Segundo o artigo 61, parágrafo 2º, "a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles".

Estudo coordenado pela professora de Direito do Centro Universitário Ibero-Americano Denise Auad aponta que houve lentidão do Parlamento em regulamentar esses tópicos da Constituição, o que só ocorreu em novembro de 1998 com a lei 9.709. "Para a funcionalidade desse sistema, não basta uma previsão constitucional. É necessária, também, uma legislação infraconstitucional sólida que lhes dê dinamismo e garanta a sua aplicação prática. Todavia, o Brasil permaneceu, por volta de dez anos, omisso em relação à regulação infraconstitucional. Como conseqüência, a possibilidade de democracia semidireta, apesar de prevista constitucionalmente, era um direito de difícil viabilização".

Em conseqüência desse longo hiato, não houve, na opinião dela e de seu grupo de trabalho, "nenhum exemplo substancial relacionado à utilização da consulta popular, com exceção do plebiscito de 1993, para a escolha da forma e do sistema de governo". 

Referendo do desarmamento

Em 2005, foi realizado um referendo relativo a alterações no Estatuto do Desarmamento, que entrara em vigor em dezembro de 2003 e tornara mais rígidas as normas para a concessão do registro e do porte de armas de fogo no país. Os eleitores foram convocados a responder se o comércio de armas de fogo e munição deveria ser proibido no Brasil.

Autor da proposta de referendo, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) disse que a questão enfrentou resistências no Congresso e que a pressão popular contribuiu decisivamente para vencer esses obstáculos, localizados, segundo ele, na "bancada da bala".

Renan faz uma avaliação positiva do instituto da participação popular.

- Foram consagrados avanços. Nesses 20 anos, a sociedade se envolveu pedagogicamente e se pronunciou sobre temas que angustiam o país, criando sintonia entre a população e o Legislativo, mas é preciso ressaltar mais essa participação na iniciativa das leis, de modo a queimar etapas - disse o parlamentar.

Para Auad, a Lei 9.709/98 frustrou as expectativas da sociedade, por apresentar muitas lacunas e mostrar-se "tímida em relação à ampliação do exercício da soberania popular".

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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