Revolta e tristeza marcam audiência com família de homem morto, supostamente, por policiais do DF

Da Redação | 17/09/2015, 16h51

O Estado dificulta a investigação quando é suspeito de omissão. A afirmação é de Maurício Pereira de Araújo, irmão de Antônio Pereira de Araújo, desaparecido em 2013, em Planaltina (DF), depois de supostamente ter sido torturado e morto por policiais militares. A declaração foi dada em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), na tarde desta quinta-feira (17).

Antônio de Araújo era auxiliar de serviços gerais e desapareceu em maio de 2013, depois de ter sido abordado por policiais militares, na região de Planaltina. O corpo de Antônio foi encontrado quase seis meses depois, em uma área de matagal. Até então, o caso estava sendo investigado na Divisão de Repressão a Sequestros (DRS) e era tratado como desaparecimento. A partir daí, foi transferido para a Coordenação de Homicídios.

O sepultamento dos restos mortais de Antônio só ocorreu no último mês de julho. A ossada passou mais de um ano e meio no Instituto Médico Legal (IML) por decisão da família, como forma de protesto pela demora na investigação. Com as cobranças da família, a investigação mudou de rumo. Em maio passado, a Polícia Civil concluiu que Antônio de Araújo morreu vítima de hemorragia interna, causada por chutes pelo corpo. Dois policiais militares foram indiciados e, no início de julho, o Tribunal de Justiça aceitou denúncia contra eles.

Emoção

O depoimento de Maurício foi marcado por muita emoção. Ele contou que o irmão tinha 32 anos quando desapareceu, depois de sair de casa para assistir a um jogo de futebol. Segundo ele, Antônio de Araújo foi abordado, espancado e torturado por policiais. Ele disse que esses policiais “nunca zelaram pela condição de Antônio, que não foi conduzido a um hospital”.

Conforme o relato de Maurício, a família foi avisada sobre a abordagem uma hora e meia depois de Antônio ter ido para a delegacia. Depois de deixar o local, acrescentou Maurício, o irmão “misteriosamente desapareceu”. Quando a família foi à delegacia indicada, não havia registro de quem havia feito a abordagem. Maurício contou que sobre o irmão pesava a suspeita de um furto. No momento da abordagem, porém, Antônio estava “só de bermuda, sozinho, sem portar nenhum objeto”. Essa situação, ponderou Maurício, não condiz com uma atitude de alguém que tenha roubado alguma coisa.

— Antônio foi chamado pela polícia de “andarilho” e “um zé”. Foi massacrado por ser de uma classe social mais baixa. Ele foi humilhado e desrespeitado — lamentou.

Segundo Maurício, o Estado dificulta o acesso a informações, como o registro de localização de viaturas da Polícia Militar na região de Planaltina. Ele contou que “o Estado criou” uma ficha hospitalar, com o intuito de apontar que Antônio estava vivo. Testemunhas na região do entorno também teriam afirmado que tinham visto Antônio. Mas quando o corpo foi encontrado, disse Maurício, essa história “caiu por terra”. Ele ainda lamentou o fato de a família ter sido acusada de procurar mídia e buscar dinheiro de indenização.

— Infelizmente, o que aconteceu com Antônio acontece todo dia nas cidades satélites, acontece nas favelas do Rio de Janeiro. Imagine a que ele foi submetido, para ter quatro costelas quebradas? Fui atrás dos direitos da minha família para evitar que aconteça com outras famílias o que aconteceu com a minha — declarou.

Silvestre Pereira Araújo, também irmão de Antônio, disse que a família foi ameaçada e desencorajada a procurar pelo corpo e a lutar pelas investigações. Silvestre contou que tem quatro filhos e lamentou o fato de o irmão não ter tido tempo de conhecer a sobrinha mais nova. Em lágrimas, contou que tem dificuldade de conversar com a mãe sobre o desaparecimento de Antônio.

— Enquanto eu respirar, vou lutar pelo meu irmão e por todos que passaram pela mesma situação triste — afirmou Silvestre.

O promotor de Justiça Marcelo da Silva Oliveira, membro do 2º Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (NCAP/MPDFT), fez um relato do andamento das investigações e apontou que a tese é de “tortura seguida de morte”. Oliveira criticou o corporativismo da polícia e de outras instituições e afirmou que o acesso a muitas informações é dificultado por alguns agentes de Estado. Ele disse, porém, que o relato “mais humano e verdadeiro” sobre o caso é o relato de Maurício, por ser da família.

— Destaco o envolvimento da família nesse caso. Não é o ideal, mas só aconteceu por conta da postura da família — declarou o promotor.

Justiça

A deputada Federal Érika Kokay (PT-DF), que acompanha as investigações, disse que “nunca viu tanto desprezo” com um caso, como foi o de Antônio de Araújo. Ela apontou que o todo o caso foi “cruel”, já que a “a fala da família” foi muitas vezes desprezada. A deputada registrou que integrantes da Secretaria de Segurança se referiam à família da vítima como “uma família difícil, que nos perturba”.

— Antônio foi torturado e liberado sem atendimento médico. Deve ter saído andando e veio a falecer. Quero parabenizar a família, que soube enfrentar o estado com muita coragem, dignidade e determinação — declarou a deputada, que defendeu o fim dos autos de resistência e cobrou justiça.

A senadora Regina Sousa (PT-PI), autora do requerimento para a realização do debate, foi quem presidiu a audiência. Ela disse que a reunião tinha um misto de tristeza, pela perda de Antônio, com um sentimento de esperança, pela luta de familiares “que não se dobraram ante as ações do estado”. Segundo a senadora, a esperada condenação dos policiais produz “algum alento” para o senso de justiça. Ela lembrou que, em 2013 e 2014, a CDH acompanhou o caso e contribuiu com o desfecho da história, com a constatação da morte de Antônio.

— Ele passou pela tortura que mata. Essa ação é herança da ditadura militar. Que nenhum caso como esse volte a ser praticado pela polícia brasileira — afirmou a senadora.

A ex-senadora Ana Rita, que presidia a CDH na época do caso, reconheceu a firmeza e a determinação da família, que “não sossegou” até que o corpo fosse encontrado. Na opinião de Ana Rita, a mudança no rumo da investigação só ocorreu por conta da insistência da família. Ela disse que o estado foi inoperante e preconceituoso, pois não deu o tratamento adequado ao caso, tentado até desqualificar as informações dos familiares de Antônio. Para a ex-senadora, o estado precisa ser penalizado pelo ocorrido.

— Em nome dessa família, o estado precisa ter outra postura, tratando as pessoas com respeito. A justiça precisa ser feita — cobrou a ex-senadora.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)