Debatedores se dividem sobre flexibilização do horário da 'Voz do Brasil'

Elina Rodrigues Pozzebom | 07/07/2014, 14h50

A possibilidade de flexibilizar o horário de transmissão do programa A Voz do Brasil, hoje veiculado obrigatoriamente às 19h, dividiu opiniões na audiência pública realizada pelo Conselho de Comunicação Social (CCS) nesta segunda-feira (7). De um lado, os defensores do horário atual afirmam que o programa é o meio mais democrático de obter informação variada de todas as esferas do governo, especialmente nos rincões do país. De outro, representantes das emissoras comerciais garantem que o horário diferenciado pode aumentar a audiência da 'Voz' para adaptá-la aos interesses do ouvinte de cada rádio.

A reunião foi marcada para colher argumentos que subsidiarão comissão criada pelo CCS para analisar dois projetos em tramitação no Congresso que versam sobre o tema. O PLS 19/2011 confirma a obrigatoriedade de transmissão de segunda a sexta-feira, das 19h às 20h, e propõe que o programa se torne parte do patrimônio imaterial do país. Já o PL 595/2003 torna possível para as emissoras escolher o horário de transmissão entre 19h30 e 00h30. O relatório sobre o assunto está a cargo dos conselheiros Walter Ceneviva, Nascimento Silva e Ronaldo Lemos.

Patrimônio

Para o jornalista Chico Sant’Anna, do Movimento dos Defensores da Voz do Brasil, o programa é o único que integra o Brasil do Oiapoque ao Chuí. Ele também destacou o fato de se tratar do mais antigo informativo radiofônico no ar em todo o mundo. Para grande parte das Regiões Norte e Nordeste, salientou, é o único meio de obter informação jornalística atualizada e diária dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sem escolha apenas dos personagens fortes dos partidos, dando voz ao chamado “baixo clero” e detalhando minúcias que nunca estariam na “grande mídia”, como a liberação de recursos de merenda para prefeituras e prestação de contas regionalizada, além de outros direitos sociais.

Segundo afirmou, alterar o horário afetaria principalmente os trabalhadores mais pobres e os moradores de regiões distantes dos grandes centros que não têm smartphone ou internet banda larga para se informar por outro meio, especialmente porque a cobertura radiofônica jornalística de locais como o Parlamento não é grande. Com a mudança do horário, "haverá estreitamento dos temas tratados, a cobertura parlamentar se restringirá aos grandes fatos, catástrofes e acidentes, e a prestação de contas do dia a dia deixará de existir", opinou.

– O trabalhador que dorme cedo e acorda cedo não vai ligar o rádio 21h30 para ouvir a Voz ou qualquer outro programa – disse.

Sant’Anna também informou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu ser constitucional a legislação acerca da Voz do Brasil e que sua transmissão não afeta a liberdade de escolha e de expressão, um dos principais argumentos dos favoráveis à flexibilização.

Audiência

Para o diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Luís Roberto Antonik, é necessário atualizar a forma como a Voz é transmitida, dadas as inovações que o mundo viveu desde que ela foi criada, em 1935. Como repetiu várias vezes, não há intenção de acabar com o programa, mas sim de melhorar a sua audiência, deslocando-a na programação conforme o interesse do ouvinte durante o período de 19h às 22h, nas emissoras comerciais e comunitárias, e mantendo o horário das 19h para as emissoras educativas.

– Não se trata de jogar para a madrugada – ressaltou.

De acordo com Antonik, quando A Voz do Brasil foi criada, o país estava quase todo dormindo às 22h. Hoje, acrescentou ele, é preciso levar em consideração que mais de dois terços dos cursos superiores têm aulas noturnas, o que leva muitos a dormirem mais tarde e ouvirem rádio depois das 22h. Outro ponto que não se pode negligenciar, na opinião dele, é a existência de interesses segmentados – como os daqueles ouvintes interessados no trânsito para a sua residência ou local de trabalho no horário de pico, às 19h.

Ele também citou pesquisa da Abert segundo a qual apenas um terço das rádios mudou o horário da Voz durante a realização da Copa do Mundo, aproveitando-se de brecha legal aberta por meio de medida provisória. A grande maioria, enfatizou Antonik, optou por manter o programa no mesmo horário "porque o público quis que assim permanecesse".

– Se a Voz não conseguir se adaptar, vai prejudicar o rádio e, por consequência, a população – afirmou.

Com a mesma opinião, Rodrigo Neves, presidente da Associação das Emissoras de Rádio e TV de São Paulo (Aesp) citou pesquisa encomendada pela Abert e realizada pelo Datafolha em que 68% dos entrevistados se disseram a favor da flexibilização, que só seria realizada pelas emissoras comerciais. Neves lembrou ainda que o governo controla centenas de emissoras, incluindo educativas, e que a EBC faz um serviço relevante ao cobrir a Amazônia Legal, com as rádios em ondas curtas, ondas médias e FM.

– Flexibilizar a Voz é dar ao cidadão o direito de escolha – defendeu.

Governo

O secretário-executivo da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Roberto Messias, disse que o governo defende qualquer discussão que leve à "qualificação do conteúdo de acesso à informação e a liberdade de expressão". Ele acrescentou que o governo federal não se opõe à flexibilização do horário e não criará dificuldades para implantá-la caso ela venha a ser aprovada.

Moção

Já o conselheiro Murilo Ramos, da EBC, afirmou que o Conselho Curador da empresa elaborou uma moção em defesa da manutenção do atual horário da Voz do Brasil, por acreditar que a flexibilização comprometeria o espaço informativo dos cidadãos do país.

Segundo disse, a população só tem acesso a informações detalhadas do poder público por meio da Voz do Brasil. Ele alertou ainda que, admitida a hipótese da flexibilização, o poder público não terá condições de fiscalizar e impor sanções para fazer valer o que estiver na lei.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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