Constituição: apesar das dificuldades, projetos de iniciativa popular ganham fôlego

Tatiana Beltrão e Fernanda Vidigal | 25/10/2013, 18h50

Em julho, mais de 40 entidades apresentaram ao Congresso 1,9 milhão de assinaturas de apoio à criação de projeto que destina à saúde 10% da receita corrente bruta da União. A proposta, que tramita na Câmara (PLP 321/2013), é um exemplo do direito do povo de exercer o poder diretamente, por meio de projetos de lei de iniciativa popular — um dos avanços da Constituição de 1988.

Esse poder — regulamentado apenas em 1998, pela Lei 9.709 — já gerou duas normas legais decisivas para a evolução da democracia no país: as leis da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) e de combate à corrupção eleitoral (Lei 9.840/1999, que tipifica o crime de compra de votos) também são fruto de iniciativas populares apresentadas ao Congresso. No entanto, o instrumento ainda é pouco usado: em 25 anos, apenas quatro propostas desse tipo viraram lei — além das duas citadas, houve a lei que criou o Fundo Nacional de Habitação Popular (Lei 11.124/2005) e a Lei 8.930/1994, que considera crime hediondo assassinatos por motivo fútil ou com crueldade.

A pequena quantidade reflete a dificuldade em aprovar proposições desse tipo, avalia a consultora legislativa do Senado Conceição Alves. Para apresentar a proposta à Câmara, é necessário obter assinaturas de pelo menos 1% dos eleitores do país, o que hoje equivale a 1,4 milhão de pessoas. O nível de exigência desestimula a participação, acredita.

— Com menos assinaturas, dá para criar dois partidos políticos — compara a consultora, para quem o Legislativo só teria a ganhar com o fortalecimento da participação direta.

Um dos articuladores da participação popular na Constituinte e, recentemente, das campanhas pelas leis da Ficha Limpa e de combate à compra de votos, o arquiteto Francisco Whitaker, cita ainda outro empecilho. Como a verificação de tantas assinaturas pelos cartórios seria muito difícil e demorada, adotou-se outra fórmula: depois de obter o número necessário de subscrições, a proposta é entregue ao Congresso e assumida por um grupo de deputados, passando a tramitar então como iniciativa parlamentar. No início, a constatação de que as iniciativas populares não conseguiriam tramitar como tais causou frustração entre os ativistas.

— Aos poucos, porém, entendemos que era o caminho, caso contrário nunca tramitaria, porque os cartórios iam levar anos para certificar tudo.

Atualmente, tramitam no Congresso projetos que buscam facilitar a participação popular. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2011 reduz para 0,5% do eleitorado o número de assinaturas necessárias para apresentação de projetos de lei e abre a possibilidade de os cidadãos apresentarem PECs. A PEC 2/1999 também estabelece o percentual de 0,5%. Os PLSs 84/2011 e 129/2010 permitem a assinatura eletrônica aos projetos de iniciativa popular. O PRS 19/2013 facilita a apresentação, ao Senado, de propostas de fiscalização e de sugestões legislativas vindas da população.

Enquanto isso, pelo menos dez iniciativas populares estão correndo o Brasil atualmente, estima Whitaker. Ele acredita que o instrumento ganhou notoriedade depois da Ficha Limpa e, por isso, começa agora a ser mais conhecido pela população.

— Com maior ou menor dificuldade, essas iniciativas vão chegar ao Congresso, o que coroa um pouco o sentimento que surgiu nas ruas no mês de junho: essa vontade de participar, essa consciência de que a democracia representativa pura e simples não satisfaz, não basta. As pessoas querem mais do que isso, querem instrumentos de participação direta no processo decisório da vida política nacional.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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