Debatedores destacam estiagem e pedem união para combater fogo no Pantanal

Da Redação | 30/09/2020, 15h26

A estiagem nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a mais severa já registrada nas últimas seis décadas, foi apontada por pesquisadores e por representantes do governo e da agropecuária como potencial facilitadora da propagação de incêndios no Pantanal. De acordo com as autoridades que participaram da audiência pública da comissão temporária do Senado que acompanha as ações de enfrentamento às queimadas na região, ocorrida nesta quarta-feira (30), é preciso unidade entre poder público, iniciativa privada, sociedade civil e academia para pôr em prática as ações emergenciais bem como para a elaboração de um plano estratégico que busque minimizar os efeitos da seca no Pantanal e o combate aos incêndios criminosos.

Segundo dados do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), ligado ao Ibama, os incêndios no Pantanal já devastaram mais de 2,5 milhões de hectares, sendo 311 mil somente nas últimas duas semanas.

O Secretário Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), Alexandre Lucas Alves, informou que o órgão está atuando desde o início dos incêndios florestais junto às defesas civis municipais e estaduais e que não há restrição na liberação de recursos federais para as ações emergenciais. No entanto, ele manifestou preocupação com as previsões de estiagem para os próximos cinco anos, o que, na sua avaliação, exige esforço para prevenção e preparação de todos os interessados na preservação do Pantanal.

— A exceção dessa seca, e para os próximos cinco anos, é um desafio sobre o qual nós temos que nos debruçar, não só após vencermos esse desafio agora desse incêndio, mas para os próximos que virão, dado que as mesmas condições, pelo que nos parece, serão colocadas. Precisamos, então, da pesquisa aplicada para dizer ao poder público o que precisa ser feito.

Ainda conforme o secretário, para as ações emergenciais, a Defesa Civil já liberou recursos para aluguel de aviões, helicópteros e veículos, contratação de brigadistas e compra de equipamentos para os corpos de bombeiros, além de recursos para alimentação e hospedagem de quem atua nessa frente.

Segundo o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, neste momento, compõe a força de trabalho 1.485 brigadistas, 16 brigadas e mais outros reforços que foram enviados para a região.

— A gente mandou para o Mato Grosso do Sul 46 brigadistas para dar apoio, vindos da Bahia, do Piauí e de Pernambuco, que estão no Mato Grosso do Sul, com 17 viaturas e 1 helicóptero. Já no Mato Grosso, a gente mandou 103 brigadistas para dar apoio. Tiramos de vários estados, desde a Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rondônia. Estão com 25 viaturas lá, 3 helicópteros, 4 air-tractors. Os air-tractors são contratados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mas em parceria com o Ibama. São aqueles aviões que jogam água e facilitam o trabalho de combate ao fogo ali no solo, obviamente — detalhou.

De acordo com o analista ambiental do Ibama em Mato Grosso e representante do PrevFogo Yugo Miyakawa, quatro equipes estão em campo para fazer o apoio ao resgate da fauna. O grupo é composto por representantes do Ibama e do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e uma médica veterinária do Hospital Veterinário Público do Distrito Federal.

Incêndios criminosos

Miyakawa informou ainda que dois peritos de incêndio também estão colaborando com o Centro Integrado Multiagências (Ciman), em Mato Grosso, para apurar as causas das queimadas e responsabilizar severamente os possíveis criminosos.

— A partir das informações é que a gente vai começar a apurar, terá início o processo de responsabilização por esses incêndios, que, na maioria das vezes, como tem sido mostrado, não foram incêndios de causas naturais. São incêndios acidentais ou criminosos. É muito importante que a gente promova esse momento de responsabilização, para que a sociedade também perceba que para cada ação há uma reação e que essa reação deve ser firme e forte, na exata proporção dos danos que foram causados.

Já o coordenador-geral do Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP), professor Paulo Teixeira de Sousa Jr, reiterou a posição da instituição contra o uso de fogo para limpeza de pastagens e fora dos períodos permitidos pelos órgãos ambientais, cobrou do governo federal compromissos climáticos alinhados aos da Convenção-Quadro das Nações Unidas e se colocou contrário aos sucessivos cortes de recursos para os órgãos ambientais.

— Só para ressaltar, hoje o investimento em ciência e tecnologia de R$14 bilhões, que em 2015 caiu para R$5 bilhões. Agora é o mesmo investimento que havia em 2002. Nós reiteramos a preocupação com ações humanas, que acelera a drenagem da água do Pantanal, durante a vazão e a seca, sendo contrários a qualquer alteração nos cursos d'água e cursos naturais de inundação. Destacamos a importância das áreas protegidas em unidade de conservação. Reforçamos a urgência de uma norma legislativa para o bioma pantaneiro.

Para o diretor-tesoureiro da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni, o homem pantaneiro é quem mais conhece e preserva o Pantanal e por isso deve ser ouvido na formulação de políticas de preservação do bioma. Já o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), Normando Corral, ressaltou que a prática de fogo na agricultura ou na pecuária já deixou de acontecer “há bastante tempo”. Segundo ele, mais de 60% dos incêndios começam nas faixas de domínio (faixa entre as estradas e o início da propriedade rural).

— Como ali não tem nenhuma prática agrícola, nem de pastoreio, para que deixe baixa aquela camada seca que se tornou ali, é dali que começa. Dali para frente, com esse calor que nós temos aqui, com o vento, nada segura, não tem combate. Então, essas áreas que são faixas de domínio, de manutenção do poder público, têm de ser, às vezes, queimadas logo após o final do período chuvoso, abril e maio. Para quê? Para que a gente não faça o que os bombeiros recomendam que a gente não faça: não acumule material inflamável em locais que possam ser origem de fogo.

Essa foi a primeira audiência pública realizada em caráter remoto pela comissão, presidida pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT). Também participaram os senadores Nelsinho Trad (PSD-MS), Esperidião Amin (PP-SC) e as senadoras Simone Tebet (MDB-MS) e Soraya Thronicke (PSL-MS).

Simone cobrou transparência do Ibama em relação à aplicação de multas, criticou o corte de recursos federais para os órgãos ambientais e reclamou da reação tardia do governo em relação ao problema.

— A única coisa que eu repito é se nós não chegamos tarde nessa história. O incêndio começou em final de junho, e o ministro do Meio Ambiente chegou 60 dias depois no Pantanal. O Ministério do Desenvolvimento Regional, o ministro Rogério, que foi muito solícito conosco, foi a Campo Grande, foi a Cuiabá liberar recursos. Mas chegamos tarde, e é preciso reconhecer isso até para que, ano que vem, nós não cometamos esse mesmo erro. Então, fica aqui só nesse sentido.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)