Comunidade acadêmica quer autonomia para definir processo de escolha de reitores

Da Redação | 26/11/2015, 18h09

Representantes da comunidade acadêmica e de pesquisa debateram na Comissão de Educação, Cultura e Esportes (CE), nesta quinta-feira (26), projeto de lei que trata do processo de escolha de dirigentes das instituições federais de ensino superior. Diferentes soluções foram abordadas, entre manifestações a favor de que as instituições, de acordo com o princípio da autonomia universitária, sejam livres para escolher modelo que considere mais adequado para si, sem a necessidade de lei regulamentadora.

As alternativas citadas incluíram sistema de votação direta, como ocorre atualmente em quase todas as universidades federais e institutos de ensino técnico ou com ajustes para que possa haver algum modo de participação da sociedade. Houve ainda sugestões no sentido da adoção de critérios mais exigentes para os candidatos a serem selecionados pelo voto direto ou por meio de conselhos.

Também foram mencionados modelos de seleção vigentes em universidades estrangeiras, como Oxford, na Inglaterra, em que o conselho elege consultoria – apenas externa ou com participação de membros da instituição – para recrutar na sociedade dirigente com experiência de gestão de organizações complexas, devendo apresentar amplos requisitos técnicos, contar com referências e participar de diversas etapas de seleção.

A audiência foi proposta pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que também dirigiu os trabalhos. Cristovam é relator do projeto que motivou o debate, o PLS 379/2013, do senador Delcídio do Amaral (PT-MS). Pelo texto, reitores e vice-reitores das universidades federais serão escolhidos por meio de votação direta e paritária, assegurada a proporção de um terço para a manifestação de cada segmento (docentes, corpo técnico-administrativo e alunos).

Esse é o sistema que já vigora nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, mantido no projeto de Delcídio. Não há formação de lista para a definição do presidente da República. É nomeado o candidato mais votado.

Partidarização

O reitor da Universidade de Brasília (UnB), Ivan Camargo, teceu críticas aos atuais modelos de seleção dos dirigentes para o cargo. Segundo ele, a forma de seleção vem dando lugar a uma “partidarização” das universidades, com a identificação dos candidatos aos partidos políticos, que passam também a ser atores indiretos na disputa. Na sua avaliação, isso faz com que o processo de seleção fique distorcido, com cisões que se prolongam além das eleições.

— Isso atrapalha bastante a governança da nossa universidade — afirmou.

Para o reitor da UNB, uma forma de a sociedade estar presente no processo de escolha poderia ser por meio da participação dos ex-alunos. Isso porque eles continuam muito atentos às instituições onde estudaram e torcem por seu sucesso. Quanto à previsão de uma regulamentação, ele observou que toda lei restringiria a autonomia, um princípio assegurado na Constituição.

— Vamos fazer o inverso e confiar nas universidades. Isso me parece mais sensato que amarrar —defendeu.

Esclerose

Para Marcos Formiga, pesquisador da UNB, o modelo universitário brasileiro, que vem de 1968, está “esclerosado”, por isso necessitando de ampla reforma que vai muito além da forma de escolher dirigentes. A seu ver, o caminho é conhecer, analisar e adaptar o que tem sido feito de maneira bem-sucedida no exterior, inclusive no que se refere aos processos de seleção dos nomes para o topo administrativo.

O modelo que apontou como mais interessante é o adotado em Oxford, em que a consultoria, a partir de um perfil profissional pré-definido, fica encarregada de recrutar candidatos ao posto de reitor. Exige-se que apresentem plano de trabalho, que apresentem referências, participem de entrevistas e até façam psicotestes.  Segundo ele, os Institutos nacionais de Pesquisa, no Brasil, já estão adotando padrões com algumas similaridades ao saxão.

No caso de Harvard, nos Estados Unidos, ele disse que o processo é “assumidamente autocrático”, sem voto de professores e alunos. Há uma pesquisa no ano anterior, em que a comunidade se limita a sugerir nomes, não havendo obrigação de que sejam da própria universidade. E formada uma lista sêxtupla da qual se pinça o reitor, que dependerá de seu desempenho para ser reconduzido.

— Em Harvard, reitor significa antes de tudo ser capaz de alavancar recursos financeiros para a instituição — ressaltou.

Conquista

O presidente do Sindicato dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Paulo Rizzo, salientou que a participação dos estudantes na escolha dos reitores já representa um meio de participação da sociedade. Também apelou pelo respeito à autonomia universitária em relação à definição do modo de escolha. Lembrou que esse princípio é uma conquista secular, que vem ainda da luta pela afirmação da ciência diante da Inquisição e dos preconceitos medievais.

— Autonomia não é apenas uma questão democrática e de gestão; está associada à liberdade de produção e mesmo de difusão da ciência — argumentou.

Gustavo Henrique de Sousa Balduino, secretário-executivo da Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), informou que a entidade já tem proposta legislativa com regras para a organização do processo de eleição de dirigentes, observando a autonomia. Segundo ele, o processo eleitoral deve se circunscrever ao âmbito da universidade, sem lista múltipla, mas apenas um nome para ser levado para nomeação.

Diversidade

O presidente da Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais e de Ensino Técnico e Tecnológico (Proifes), Eduardo Rolim de Oliveira, também defendeu sistema de escolha no âmbito da comunidade universitária. Também rejeitou a ideia de uma regulamentação nacional aplicável a todas universidades e institutos educação.

— Existem realidades e processos históricos muito diferentes em todo o país — justificou.

O presidente da Academia Mundial da Arte e Ciência, Heitor Gurgulino, que o primeiro reitor da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, manifestou preferência por processo de escolha que atribua peso proporcionalmente maior à participação dos professores. Observou que os alunos participam da vida universitária de modo passageiro, ao contrário dos docentes. Também apoiou algum modo de participação externa à universidade.

Relator

Cristovam informou que deverão ser realizados novos debates sobre a matéria, adiantando que irá apresentar um substitutivo ao projeto de Delcídio. Segundo ele, ainda mais que bom gestor, em tempos de mudança o titular do cargo precisa ser alguém capaz de liderar esse processo.

Segundo ele, a escolha por modo direto respondeu às necessidades de um momento histórico. Observou, contudo, que essa sistemática vem servindo para estimular processos de natureza corporativa. Sem se definir por nenhum especificamente, citou modos alternativos de escolha, a exemplo de eleição por meio de conselhos constituídos apenas para a eleição, com representação universitária e social.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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