Falta consenso entre juízes sobre ampliação da prisão preventiva

Da Redação | 09/09/2015, 21h50

“É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”. A frase do filósofo iluminista francês Voltaire foi lembrada nesta quarta-feira (9), em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), durante debate sobre projeto de lei que admite a decretação de prisão preventiva após a condenação do acusado em segunda instância. A maioria dos juízes, advogados e acadêmicos presentes à audiência pública criticou a proposta argumentando que o texto relativiza o princípio constitucional da presunção da inocência.

O PLS 402/2015 foi defendido, no entanto, pelo juiz Sergio Moro, responsável pela condução do inquérito da Operação Lava-Jato, e pelo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antônio César Bochenek. Autores da sugestão que deu origem ao projeto, eles explicaram que a intenção é agilizar os processos penais e reduzir a impunidade no país.

Na avaliação de Moro e Bochenek, o excesso de recursos especiais faz os processos penais se arrastarem na Justiça, muitas vezes até a prescrição do crime. A apresentação de recurso suspende a execução da sentença e, com isso os culpados acabam escapando da condenação, uma vez que, por lei, só começam a cumprir a pena após o trânsito em julgado.

— Agora, eu, sendo o processado criminalmente, se sei que só sou preso ao final pela regra atual, o que eu vou orientar ao meu advogado fazer? Recorrer, recorrer, recorrer, mesmo quando não tenha razão. E, infelizmente, o sistema processual brasileiro hoje permite essas brechas. A ideia é não permitir essas brechas e, com isso, ter um ganho significativo no sistema — argumentou Sergio Moro.

Antônio César Bochenek acrescentou que cabe ao juiz preocupar-se com a regularidade do processo, garantindo ampla defesa, direito ao contraditório e duplo grau de jurisdição, sem que, apesar disso, haja impunidade ao final. Ele afirmou que, sem mudar as regras processuais atuais, seria preciso aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que dessem conta das demandas de recursos que chegam às cortes todos os dias.

A necessidade de reformar o processo penal brasileiro também foi defendida pela procuradora da República Luiza Cristina Fonseca. Ela disse que é preciso fazer mudanças que acelerem o processo para um prazo — que não seja de 10 ou 12 anos — razoável para o réu, para a acusação e para a sociedade.

O PLS 402/2015 foi apresentado pelos senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Alvaro Dias (PSDB-PR), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Ricardo Ferraço (PMDB-ES). O projeto amplia a possibilidade de prisão de pessoas condenadas por crimes hediondos, corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Atualmente, esses acusados só podem ser presos antes da sentença definitiva “para garantia da ordem pública e da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal; ou para assegurar a aplicação da lei penal”.

Com a proposta, cria-se a possibilidade de decretação da prisão já a partir do julgamento em segunda instância (em colegiado), mesmo que o condenado tenha respondido ao processo em liberdade. A única exceção seria a existência de garantias de que ele não irá fugir ou praticar novas infrações.

Presunção de inocência

Por sua vez, os críticos à proposta destacaram que o projeto servirá para aumentar as estatísticas de encarceramento no Brasil. Para o defensor público Gustavo Virginelli, que assegurou que as defensorias são contrárias ao PLS 402/2015, a proposta colocará o Brasil entre os países que mais prendem no mundo. A tese foi reforçada pelo juiz e membro da Associação Juízes Para a Democracia (AJD), Rubens Roberto Rebello Casara. Ele explicou que o projeto não ajudará a acelerar o processo penal rumo a uma sentença final, mas apenas aumentará as hipóteses de prisão enquanto o processo ainda se desenrola.

Na opinião de Casara, o PLS viola o princípio da presunção de inocência, na medida em que atribui ao acusado o ônus de provar que não vai fugir ou praticar novas infrações para continuar solto. O texto também aumentaria as hipóteses de pessoas responderem a processos presas, sem que o Estado demonstre a necessidade dessas prisões, já que, pela lei atual, se a necessidade da prisão for comprovada, o acusado já pode ficar preso desde a primeira instância.

— Isso constitui aquilo que, na doutrina, se chama de prova diabólica, porque é prova de fato negativo, algo extremamente difícil, quando não impossível, fazer prova de que não vou fazer alguma coisa no futuro. Como eu vou fazer uma prova de que eu não vou fugir caso esteja sendo acusado da prática de um delito? Nas democracias, os principais limites são os direitos e garantias fundamentais. Cada vez que um limite é afastado, cada vez que um direito ou uma garantia constitucional é relativizada, o Estado caminha rumo ao autoritarismo — acusou.

A declaração repercutiu mal entre os autores da proposta. Roberto Requião a classificou como “inoportuna”. O senador afirmou que há um projeto de sua autoria em tramitação na Casa que tenta resolver, por exemplo, a questão da prisão preventiva (PLS 123/2014).

— Temos 45% de presos pobres nas penitenciárias cumprindo pena com prisão provisória, e eu não vi a sua preocupação, nem críticas a esse massacre da população mais pobre no Brasil inteiro — rebateu.

A defesa da presunção da inocência também foi feita pelo presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da seccional da OAB no Ceará, Fábio Zech Sylvestre. Ele destacou que, pela Constituição, a prisão é uma exceção e que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Excesso de recursos

Já o argumento de que o excesso de recursos atrasa a aplicação das penas aos culpados, dificultando a efetividade dos processos penais, foi rebatido pelo conselheiro federal da OAB Pedro Paulo Guerra. Ele apresentou dados revelando que apenas 10% das ações em curso nos tribunais superiores são recursos. Além disso, a maioria dos recursos não vem de processos criminais privados, mas de ações envolvendo o Estado.

— Não é o recurso criminal que afoga o Judiciário. Temos de trabalhar com dados e não com a paixão. E até que ponto a celeridade é mais importante do que a liberdade? — questionou.

Também argumentaram contra o projeto o promotor de justiça e professor de processo penal da Universidade Federal da Bahia Elmir Duclerc Ramalho Junior; o juiz e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD) Marcelo Semer; o professor de criminologia da Universidade de São Paulo Maurício Stegemann Dieter; e o professor de direito da Fundação Getulio Vargas Thiago Bottino do Amaral.

A audiência pública foi realizada por iniciativa do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que queria ouvir os especialistas da área sobre as principais questões do projeto. O relator da proposta, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), por sua vez, afirmou que já tem o juízo firmado sobre a iniciativa, que está sendo analisada em caráter terminativo na CCJ.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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