Funcionário de empresas investigadas pela CPI do Carf relata saques milionários

Da Redação | 03/09/2015, 16h04

A advogada e ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra e o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau frequentaram por pelo menos seis meses, entre 2011 e 2012, o escritório das empresas J. R. Silva e SGR Consultoria Empresarial, apontadas como peças principais do esquema de manipulação de julgamentos realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Eles teriam se reunido semanalmente com José Ricardo Silva, ex-conselheiro e dono das empresas, e Alexandre Paes dos Santos, sócio da empresa Davos, ambos investigados pela Operação Zelotes, da Polícia Federal.

A revelação foi feita nesta quinta-feira (3) por Hugo Rodrigues Borges, espécie de "faz-tudo" nas empresas de José Ricardo, em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga irregularidades no Carf. Borges trabalhou por quase 10 anos para a SGR, J. R. e Agropecuária Terra Fértil, entre outras empresas administradas por José Ricardo e sua família.

Além de Erenice e Rondeau, que já haviam deixado seus cargos no governo à época dos encontros, José Ricardo e Alexandre também teriam se reunido na mesmo período com o ex-governador do Ceará Cid Gomes, de acordo com Borges.

— Começaram [Erenice e Rondeau] a se afastar porque andou repórter lá na frente — contou Hugo Rodrigo Borges, que negou saber os temas das reuniões.

A Operação Zelotes investiga se, por meio dessas empresas, conselheiros cobravam propina para anular autuações fiscais ou reduzir substancialmente os tributos devidos por empresas à União. Ford, Mitsubishi, Santander e RBS, afiliada da Globo, são algumas das empresas que teriam se beneficiado do esquema.

Saques

Borges contou que buscava e levava processos do Carf para José Ricardo e fazia saques a pedido dele em diferentes contas. O dinheiro, que era colocado em envelopes, era levado para o escritório da SGR Consultoria, que funcionava em uma casa no Lago Sul, área nobre de Brasília, onde também ficada a sede de outras empresas.

O ex-funcionário contou que recebia R$ 1.200 por mês, mas chegou a sacar R$ 1,2 milhão em uma semana para José Ricardo. Eram comuns, contou, retirar mais de R$ 400 mil em cada operação. Ao todo, Hugo Borges estima ter movimentado mais de R$ 5 milhões. O dinheiro era levado para o escritório da SGR Consultoria, relatou.

— Entregava a Glegliane, que recebia ordem do José Ricardo. E era assim: às vezes vinham duas pessoas em um dia, aí no outro vinham mais. Esse dinheiro sumia rápido — disse.

"Tão rápido", afirmou Borges, que a empresa chegava a ficar sem dinheiro para pagar conta de energia elétrica e mesmo os funcionários. O ex-funcionário disse que estranhava a movimentação, mas seguia ordens.

Família

Além de Hugo Borges, também compareceram à CPI Flávio Rogério da Silva, irmão de José Ricardo e Edson Pereira Rodrigues, ex-presidente do Carf.

Flávio é sócio de José Ricardo na Terra Fértil. Mesmo amparado por um habeas corpus, o engenheiro agrônomo resolveu falar e sustentou que não conhece nada sobre o funcionamento do Carf. Ele admitiu, contudo, que movimentava elevadas somas de dinheiro em sua conta e revelou que tomava e dava empréstimos para o seu irmão. De acordo a relatora da CPI, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), foram mais de 90 transações entre os dois, totalizando aproximadamente R$ 6 milhões. Nenhuma delas foi declarada à Receita Federal.

— Se não há uma declaração, é porque o montante que foi foi o montante que veio. Um empréstimo para uma lavoura de café é em torno de R$ 1 milhão para a nossa lavoura. É R$ 1 milhão a parte do meu irmão e R$ 1 milhão a minha parte. São 80 hectares do meu irmão e 80 hectares meus. [...] Então, quando ele empresta, depois eu devolvo. Quando eu empresto, ele devolve — Flávio Rogério da Silva.

Vanessa Grazziotin e Ataídes Oliveira (PSDB-TO) cobraram a apresentação dos balanços da agropecuária Terra Fértil. Segundo Ataídes, as movimentações financeiras da empresa são típicas de lavagem de dinheiro.

Surpresa

Já Edson Rodrigues disse que recebeu com surpresa as suspeitas de manipulação de julgamentos realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Ele presidiu o órgão entre 1995 e 2004. Rodrigues se recusou a responder perguntas sobre e-mails e gravações que apontariam seu envolvimento no caso. Disse que, desde 2007, não é mais sócio da empresa SGR Consultoria, considerada central no esquema.

— Os honorários eu continuei recebendo dos processos de que eu fazia jus. Até 2011 andei recebendo alguma coisa — assinalou.

Busca e apreensão

A filha de Edson Rodrigues, Meigan Sack Rodrigues, também seria ouvida nesta quinta-feira, mas apresentou atestado médico e não compareceu. Ex-conselheira do Carf, ela é sócia do pai em um escritório de advocacia.

A reunião da CPI ocorreu no mesmo dia em a Operação Zelotes realizou buscas e apreensões em nove escritórios de contabilidade nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo e no Distrito Federal. As buscas foram realizadas pela Polícia Federal, Receita Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda, para recolher documentos contábeis de algumas empresas investigadas.

Para o presidente da CPI, Ataídes Oliveira, os depoimentos desta quinta-feira ajudam nas investigações. Prevista para acabar neste mês, a comissão teve seus trabalhos prorrogados até dezembro.

— Vamos ter que quebrar sigilos bancários. Saber de onde saiu o dinheiro nós já sabemos. Agora precisamos saber aonde é que esse dinheiro chegou — disse.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)