Reforma do ICMS é desafio para o Senado no segundo semestre

djalba-lima | 30/07/2015, 17h31

O Senado terá de resolver, no segundo semestre de 2015, um dos maiores desafios do pacto federativo, que é a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O tema está na pauta da Casa desde 2013, com avanços e recuos desde então. A maioria dos estados brasileiros precisa da reforma para legalizar os incentivos da guerra fiscal, e o governo federal também a defende com o objetivo de estimular a retomada da economia. Mas há uma série de obstáculos e riscos pelo caminho.

O Projeto de Resolução do Senado (PRS) 1/2013, com a redução das alíquotas interestaduais do imposto, chegou a ser aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em 7 de maio de 2013. Quando estava pronto para votação em Plenário, requerimentos dos senadores Ricardo Ferraço (PMDB-ES), Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) levaram o projeto para as Comissões de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Na CDR, o relator, senador Wellington Fagundes (PR-MT), vem mantendo entendimentos para a elaboração de um substitutivo ao projeto aprovado pela CAE. Um eventual acordo sobre o assunto poderá ter como base o Convênio ICMS 70/2014, que só não recebeu o apoio do estado do Paraná no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Redução

Um dos pontos da reforma é a redução das alíquotas interestaduais, com o fortalecimento da tributação no destino das mercadorias. Alíquotas interestaduais elevadas como as praticadas hoje na origem – de 7% nos estados ricos e de 12% nos pobres – dão margem à guerra fiscal. Muitos estados reduzem essas alíquotas com a finalidade de atrair investidores privados, com a geração de emprego e renda para a população.

Do ponto de vista legal, os incentivos só podem ser concedidos com a anuência dos representantes de todos os estados no Confaz. Com a ausência de uma política federal que contribuísse para a equalização da vantagem competitiva dos estados – situação em que, teoricamente, todos seriam igualmente atrativos –, os mais pobres abriram mão, unilateralmente, de uma parte de suas alíquotas interestaduais do ICMS para compensar a desvantagem e sediar grandes empreendimentos.

À medida que foi aumentando a adesão de mais estados à prática ilegal, a guerra fiscal foi se esgotando na capacidade de atrair investidores, na avaliação de especialistas no assunto. O que sobrou para os estados, além da perda de arrecadação, foi o receio de ver a pendência tornar-se um enorme imbróglio jurídico. É que, diante das reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à inconstitucionalidade desses incentivos fiscais, o ministro Gilmar Mendes propôs à Corte a edição de uma súmula vinculante que consolide esse entendimento.

O STF tem aguardado uma solução política do Congresso antes de editar a súmula, que teria efeito devastador sobre os incentivos. Como esse instrumento tem o poder de vincular toda a administração à decisão, não seriam mais necessárias ações judiciais para contestar os benefícios concedidos às empresas, que cairiam automaticamente.

Relator do projeto de reforma do ICMS na CAE, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), que hoje também é líder do governo, observa que a possibilidade de edição da súmula vinculante é uma espada de Dâmocles sobre os estados e leva as empresas que se instalaram nessas unidades federativas a tirar “o pé do acelerador” nos investimentos. Para “desatar esse nó”, segundo o líder, é preciso uma engenharia política e econômica que contemple os diferentes interesses dos estados na questão do ICMS.

Garantia constitucional


Presidente da Comissão Especial de Aprimoramento do Pacto Federativo, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) já trabalha na elaboração de uma proposta de emenda à Constituição destinada a amparar essa reforma do ICMS. Ele diz se tratar de uma emenda que, além de dar garantia constitucional aos fundos criados na MP 683, vai assegurar os recursos para sustentá-los, determinando sua fonte de repasse. Nesse caso, estão entre as alternativas em análise o dinheiro a ser repatriado por quem detém contas no exterior e receitas do Orçamento da União.

— Primeiro, é preciso vincular os recursos do fundo. Segundo, determinar a forma de repasse. Terceiro, garantir a questão do provimento para esses fundos. Se os recursos oriundos da repatriação não forem suficientes, constitucionalmente, estamos colocando uma regra para obrigar o governo a prover o fundo com dinheiro do Orçamento Geral da União — disse Pinheiro.

Conforme o senador, os governadores não querem dotações orçamentárias que não tenham garantias constitucionais, visto que elas correrão o risco de não serem executadas, como acontece com as compensações aprovadas pela Lei Kandir, que visavam reparar as perdas pela isenção do ICMS nos produtos e serviços destinados à exportação.

Obstáculos

Como o objetivo da reforma é uniformizar as alíquotas interestaduais em torno de 4%, a discussão conduz invariavelmente a reivindicações de exceções que contemplem interesses regionais, como os produtos da Zona Franca de Manaus e o gás boliviano que passa por Mato Grosso do Sul.

Outro problema é representado pelas perdas que alguns estados passam a ter na chamada balança interestadual de mercadorias – quando um produto sai de um estado para outro. Na primeira tentativa de reforma, em 2013, o governo chegou a editar medida provisória criando dois fundos – um para compensar essas perdas e outro para melhorar a posição competitiva dos estados com pouca infraestrutura.

Mas o próprio governo recuou na ocasião, alegando que a reforma tinha sofrido grandes alterações na CAE, e deixou a medida provisória cair por decurso de prazo no Congresso. Agora, a recriação desses mecanismos de compensação é proposta por outra medida provisória - a 683/2015.

Entretanto, a criação desses fundos é condicionada pela MP à instituição e arrecadação de multa de regularização cambial sobre ativos mantidos por brasileiros no exterior. A multa é prevista no PLS 298/2015, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), apoiado pela liderança do governo no Senado.

Na ausência de recursos federais para bancar a reforma do ICMS, como tem admitido o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em reunião com lideranças políticas no Senado, o projeto de Randolfe passou a ser encarado como uma alternativa. Especialistas estimam de que a regularização desses ativos poderá gerar uma arrecadação adicional superior a R$ 100 bilhões.

Se o projeto virar lei, os brasileiros que mantêm recursos e patrimônio no exterior sem declarar à Receita Federal poderão repatriá-los, sem responder por crimes de evasão de divisas ou de omissão de informações ao fisco. O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, previsto no PLS 298/2015, condiciona a legalização à comprovação da origem lícita dos recursos.

Substitutivo apresentado pelo relator na CCJ, Delcídio do Amaral, prevê a regularização por meio de pagamento da alíquota de 17,5% do Imposto de Renda (IR), mais multa de 100% sobre o imposto apurado – o que significa um encargo total de 35%. Na versão original, o projeto previa pagamento pela alíquota do IR da pessoa jurídica ou da pessoa física estabelecida na tabela progressiva, mais multa de 20%.

Destinação

Conforme o substitutivo, metade dos recursos arrecadados - a parte referente à multa – será destinada aos dois fundos criados pela MP 683/2015. Para tanto, o Senado terá de aprovar uma resolução que reduza as alíquotas interestaduais – no caso, o PRS 1/2015. Outra condicionante para a utilização dos recursos por esses dois fundos, de acordo com o substitutivo do relator, é a celebração de convênio entre os estados e o Distrito Federal que discipline os efeitos dos incentivos da guerra fiscal.

A assinatura desses convênios, que permitiria a convalidação dos incentivos, é disciplinada pelo PLS 130/2014-Complementar, de autoria da senadora Lúcia Vânia (sem partido-GO). Esse projeto aguarda decisão da Câmara dos Deputados, onde tramita como PLP 54/2015.

A medida provisória, que poderá ser votado em agosto, tem muitos defensores, como a senadora Vanessa  Grazziotin (PCdoB-AM), e críticos como o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Para Vanessa, a reforma do ICMS ainda não prosperou justamente por falta de uma política de compensação de perdas na receita de alguns estados com a unificação da alíquota do imposto em vendas entre os estados. Segundo ela, essa compensação é assegurada pela MP.

Cássio Cunha Lima, entretanto, aponta problema na origem dos recursos que comporiam o fundo: a regularização, mediante tributação, de contas bancárias não declaradas no exterior. Para o senador, além de criar uma “lavanderia internacional”, a medida é provisória e aposta em recursos finitos. Assim, a compensação aos estados jamais seria completa.

Medidas aprovadas

Mesmo inconclusa, a reforma do ICMS já tem partes resolvidas pelo Legislativo. Uma delas é a repartição do imposto do comércio não presencial (internet e telefone) entre os estados comprador e vendedor. A PEC 07/2015, que deu origem à Emenda à Constitucional 87, integrou o rol das proposições do pacto federativo.

A emenda corrige uma distorção que permitia o recolhimento de todo o ICMS somente pelo estado onde está a sede da loja virtual. O estado de residência do comprador, ou de destino da mercadoria, não tinha qualquer participação no imposto cobrado. Assim, eram beneficiados principalmente os entes da federação mais desenvolvidos, como São Paulo.

O texto promulgado é o que foi modificado pela Câmara dos Deputados, tornando gradual a alteração nas alíquotas e atribuindo aos estados de destino 100% da diferença de alíquotas apenas em 2019. Até lá, vale a seguinte regra de transição: 20% para o destino e 80% para a origem, em 2015; 40% para o destino e 60% para a origem, em 2016; 60% para o destino e 40% para a origem, em 2017; e 80% para o destino e 20% para a origem, em 2018. Promulgada em 16 de abril, a emenda altera o parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição e inclui o artigo 99 nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

Outro ponto resolvido pelo Senado decorria da chamada guerra dos portos, uma variante da guerra fiscal. Estados que sediavam portos marítimos – inclusive portos secos – reduziam as alíquotas interestaduais sobre produtos importados, para atrair um maior fluxo de entrada de mercadorias. Uma resolução do Senado – a 13/2012 – unificou em 4% essas alíquotas sobre os importados, para reduzir a margem de manobra dos estados.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)