CBF anuncia medidas de moralização de gestão na comissão da MP do Futebol

Guilherme Oliveira | 20/05/2015, 18h53

Em audiência pública nesta quarta-feira (20) a comissão mista que analisa a MP 671/2015 (conhecida como MP do Futebol, que refinancia dívidas de clubes), representantes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) falaram aos parlamentares sobre medidas de moralização da gestão do esporte que a entidade tem encaminhado. Segundo explicaram, elas se assemelham às contrapartidas que a MP exige dos clubes que aderirem ao Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), que garante o refinanciamento.

Os dirigentes defenderam que estabelecer essas medidas através de projeto de lei, como é a intenção do governo federal com a MP, não encontra base constitucional. Além disso, seria desnecessário, visto que os clubes e a própria CBF já estão criando normas de governança e responsabilidade fiscal.

— As contrapartidas serão implementadas imediatamente, mas isso será feito pelas entidades de organização do futebol brasileiro. É hora de modernizar o futebol, mas isso depende da compreensão do governo e da conscientização das entidades e clubes — afirmou o secretário-geral da CBF, Walter Feldman.

A confederação informou que, a partir deste ano, inseriu no regulamento geral de competições e nos regulamentos específicos das três primeiras divisões do Campeonato Brasileiro cláusulas de punição técnica a clubes que descumprirem obrigações trabalhistas. O mecanismo de sanção é a perda de pontos, e é necessário que o clube seja denunciado por um atleta ou ex-atleta de seu elenco.

Além disso, a CBF já discute normas para o licenciamento dos clubes de futebol (autorização mediante critérios técnicos para ter atividade profissional) e a aplicação de regras de governança para os clubes, federações e a própria confederação. A entidade promoverá ainda um congresso nacional para debater o futebol brasileiro e oferecerá cursos de gestão para dirigentes.

— Vamos trabalhar seriamente nas normas administrativas, financeiras, desportivas, jurídicas e de infraestrutura, que deverão sair, se possível, antes da votação final da MP. Cada um cumpre o seu papel: a legislação faz aquilo que lhe cabe, as entidades fazem as regras e os clubes necessariamente terão que ter uma gestão racional. Se não for assim, não poderão mais participar do futebol profissional – garantiu Feldman.

Críticas à MP

A audiência serviu também para que os convidados do dia criticassem a medida provisória, como tem ocorrido nos debates da comissão. O ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), destrinchou os pontos que considera inconstitucionais ou irregulares no texto, e destacou as exigências feitas às federações estaduais.

— Nesse aspecto, não há urgência, relevância ou pertinência temática, pois a MP cuida de traçar diretrizes para o recebimento do que os clubes e deve ser dirigida a eles. A exigência de cumprimento das contrapartidas é uma afronta muito clara à autonomia das entidades desportivas — analisou.

Na visão de Caputo Bastos, as regras de gestão que a MP impõe aos clubes participantes do programa de refinanciamento são uma “ingerência injustificável”. A figura da Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut, organismo estatal criado pela MP para fiscalizar o cumprimento das regras da MP) “não detém competência constitucional” para aferir o eventuais violações de direitos trabalhistas, papel que cabe unicamente à Justiça do Trabalho.

O diretor financeiro da CBF, Rogério Caboclo, também falou na audiência e ressaltou pontos que entende serem negativos no texto da medida provisória. Em especial, ele comentou a regra que impede um clube participante do Profut de disputar competições organizadas por entidades que não respeitem as regras do programa. Uma dessas regras para as entidades é apenas aceitar em seus torneios clubes que tenham aderido ao Profut.

Para Caboclo, essa regra deixa dois cenários possíveis: ou as entidades são forçadas a se adequar, gerando adesão compulsória à MP, ou os clubes participantes precisariam criar uma liga própria, levando à existência de dois campeonatos profissionais paralelos no Brasil.

— Se os clubes forem separados em duas competições, o valor do Campeonato Brasileiro seria uma fração do que é hoje e faria com que não estivessem aptos sequer a responder ao parcelamento. Ou isso, ou se adéquam os estatutos das entidades, rachando atos jurídicos perfeitos, para manter a unidade do futebol — advertiu.

Condições financeiras

O diretor também questionou a eficiência da MP em garantir aos clubes as condições de pagamento dos débitos com a União. No texto original, os clubes devem escolher entre dois prazos para diluir o pagamento facilitado: 10 anos ou 17 anos. Caboclo entende que ambos os modelos são muito açodados.

— A MP, da maneira que se apresenta agora, é inócua porque não atende seu principal objetivo, que é conceder parcelamento de forma eficiente, gerando adesão e resolvendo o problema crônico dos débitos tributários.

O ministro Caputo Bastos sugeriu que um modelo melhor de parcelamento seria algo semelhante aos acordos que os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) fazem com empresas devedoras. Cada devedor recebe um parcelamento personalizado, de acordo com seu faturamento e capacidade de endividamento, são adotadas regras rígidas para permanência e existe a previsão de reingresso ao financiamento mesmo após uma eventual exclusão.

— Cada um paga o que pode, com toda transparência e lealdade. É uma prática com sucesso absoluto. No caso dos clubes, as receitas não são muito variadas e são bem conhecidas. Cada um as apresentaria e se chegaria a um valor possível de pagamento que não comprometesse a vida do clube — opinou.

Questão trabalhista

Caputo Bastos alertou a comissão ainda a respeito da necessidade de se desenvolver uma legislação trabalhista específica para os atletas profissionais, que não possuem cobertura jurídica adequada.

— A questão do atleta profissional não cabe na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Não há compatibilidade. O contrato do atleta é tão especial que exige dois vínculos, o trabalhista e o federativo [a uma federação estadual ou à CBF]. Isso não existe em nenhum outro setor. Há a necessidade urgente de se estabelecer uma lei especifica para o futebol.

Ele também chamou atenção para a regulamentação da atividade das categorias de base dos clubes de futebol, que precisam de um estatuto legal adequado, inclusive pela repercussão social desse trabalho.

Próximos passos

A comissão mista decidiu nesta quarta-feira promover uma sétima audiência pública sobre a MP do Futebol, dessa vez com a presença de representantes de torcidas organizadas. Ela acontecerá na próxima terça (26).

O relator da matéria, deputado Otávio leite (PSDB-RJ), informou que pretende apresentar oficialmente seu relatório dentro de duas semanas, no dia 2 de junho, que é uma terça-feira. Uma semana depois disso, a comissão deve votar o texto e enviá-lo para apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados.

A MP 671 tem validade até o dia 17 de julho.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)