Clubes das séries B e C reforçam críticas à MP do Futebol

Guilherme Oliveira | 13/05/2015, 18h52

Depois dos clubes da primeira e da quarta divisão do Campeonato Brasileiro, foi a vez de representantes das séries intermediárias B e C fazerem suas críticas à MP 671/2015, que cria programa de refinanciamento de dívidas dos clubes. Eles foram os convidados da audiência pública promovida nesta quarta-feira (13) pela comissão mista que analisa a matéria.

A opinião geral manifestada pelos representantes de clubes que compareceram corroborou o que as demais agremiações já haviam exposto aos parlamentares: os dirigentes estão dispostos a equalizar suas dívidas e se submeter às condições estabelecidas pelo poder público, mas as contrapartidas listadas na chamada MP do Futebol são impeditivas.

— Entendemos a necessidade de rediscutir o modelo de gestão do futebol e buscar a saúde financeira dos clubes para que a gente volte a ter um produto de qualidade. Mas, se não houver adequações na MP, é inviável aderir — resumiu o presidente do Bahia, Marcelo Sant’Ana.

Para Alberto Lopes Maia Filho, presidente do Paysandu, de Belém (PA), as intenções da medida provisórias são boas, mas o exagero de suas exigências pode piorar a realidade do futebol, ao invés de melhorá-la.

— Sabemos que os clubes brasileiros precisam iniciar uma nova vida. Queremos ter obrigações, mas a ingerência dentro dos clubes é tornar o futebol brasileiro muito pior do que está e fadado à falência — afirmou.

Dívidas são o maior temor

O presidente do Botafogo, Carlos Eduardo Pereira, fez coro e garantiu que cada vez mais os dirigentes de futebol preocupam-se com a responsabilidade gerencial dos clubes, não apenas com os resultados esportivos. No entanto, segundo ele, os “cartolas” precisam das condições adequadas para sanar seus compromissos pendentes.

— O que os clubes precisam é de uma fórmula de refinanciamento que não nos conduza à morte. Da forma como a MP está colocada, nós falecemos com a CND [Certidão Negativa de Débitos] na mão. Não há viabilidade de um clube aderir, por mais necessitado que esteja — disse ele.

A queixa principal dos presidentes de clubes presentes na audiência diz respeito às dívidas e as questões judiciais trabalhistas. Os presidentes acreditam que o modelo atual de legislação, dividido entre a CLT e a Lei Pelé, cria desentendimentos e dificuldades de cumprir acordos e leva a muitas intervenções judiciais.

— Hoje, o jogador mais caro do Bahia é uma dívida com a Justiça do Trabalho — declarou Marcelo Sant’Ana.

Ele explicou que seu clube paga parcelas mensais de R$ 300 mil à Justiça do Trabalho, que chegarão a R$ 430 mil em 2016. O dirigente também manifestou preocupação quanto à continuidade desses pagamentos caso ele submeta o clube à retenção de despesas, uma das condições do refinanciamento proposto pela MP.

Carlos Eduardo Pereira, do Botafogo, relatou que o clube possui um acordo com o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio de Janeiro para pagamento escalonado de dívidas trabalhistas, cujos moldes ele elogia. Para o presidente, seria positivo adotar essa prática nacionalmente.

— É fundamental porque garante capacidade de pagamento da instituição e o recebimento dos credores trabalhistas que aguardam há muito tempo. Com isso, protegemos as receitas e podemos caminhar para a questão fiscal.

O deputado Andrés Sanchez (PT-SP), que foi presidente do Corinthians e é o vice-presidente da comissão mista, argumentou a favor da criação de uma legislação específica para os contratos de trabalho do futebol.

— Se nós não consertamos as leis trabalhistas do futebol, todo ano vai ter ações, independentemente de pagar [em dia] ou não. Quando os jogadores mudam de clube ou param de jogar, eles entram com processo por hora extra, adicional noturno... Mais importante do que pagar tudo é estancar novos processos — disse.

Outros pontos criticados

O presidente da Portuguesa, Jorge Manuel Gonçalves, viu impropriedade na retenção de receita e no débito automático prioritário das parcelas do refinanciamento da dívida. Ele disse que esse é um tratamento desigual que se propõe aos clubes e que atrapalha uma gestão financeira que poderia permitir até mesmo amortizações futuras substanciais.

— Em nenhum refinanciamento dado pelo Estado, a primeira dívida a ser paga é a do parcelamento. Eu posso querer fazer grandes investimentos que me deem retornos maiores, mas não posso porque a receita está bloqueada — questionou.

Marcelo Sant’Ana, do Bahia, destacou as normas de participação em campeonatos dos clubes que aderirem ao refinanciamento. Como as agremiações só podem entrar em competições de entidades que respeitem as regras da MP, e uma dessas regras é apenas aceitar nos torneios clubes que tenham aderido, cria-se um cenário que praticamente força os clubes a se organizarem em ligas independentes caso as federações estaduais não queiram também colaborar.

— Vamos ter conflito. Não podemos determinar que as entidades modifiquem estatutos que estão dentro da legalidade — ponderou.

Alberto Lopes Maia Filho, do Paysandu, também criticou esse ponto da proposta, lembrando que as entidades internacionais de futebol não teriam como aceitar a nova realidade de ligas e federações. Ele também manifestou opinião contrária à regra que determina a responsabilização pessoal dos dirigentes pelas dívidas reconhecidas.

— Nenhum dirigente vai aceitar assumir um clube se for se responsabilizar pessoalmente por dívidas por 20 anos — disse ele, fazendo referência ao prazo mínimo de quitação das dívidas dentro do refinanciamento proposto.

Futebol feminino

A audiência também contou com a presença de Fabrício Maia, coordenador técnico da seleção brasileira de futebol feminino. Ele salientou a importância da modalidade, mas defendeu que ela não seja objeto da medida provisória.

— O futebol feminino não é menor do que nada do que está sendo tratado aqui, mas ele tem que saber o seu momento de ser discutido. Nosso desejo é que a MP possa ser construída e alguma coisa possa vir a contribuir com a nossa modalidade — limitou-se a dizer.

No texto original do projeto, uma das exigências para os clubes que aderirem ao refinanciamento é a manutenção de “investimento mínimo” no futebol feminino.

Próximas audiências

A comissão mista promoverá na próxima semana as duas últimas audiências antes da apresentação do parecer do relator, deputado Otávio Leite (PSDB-RJ). Na terça-feira (19), o colegiado receberá o ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e o jurista Miguel Reale Júnior. O objetivo é obter esclarecimentos sobre a constitucionalidade e a juridicidade de pontos específicos da medida provisória.

A mesma audiência deverá contar com um representante do setor de loterias da Caixa Econômica Federal. Os deputados e senadores manifestaram interesse em saber mais a respeito da possibilidade de criar novas fontes de financiamento para os clubes.

Na quarta-feira (20), os convidados serão os representantes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Ministério da Fazenda. A ideia da comissão é fazer um debate direto entre a entidade e o órgão a respeito da MP.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)