Questões trabalhistas são destaque em audiência da MP do Futebol

Guilherme Oliveira | 06/05/2015, 18h59

Em nova audiência pública, realizada nesta quarta-feira (6), a comissão mista que analisa a MP 671/2015 (MP do Futebol, que refinancia dívidas fiscais de clubes) recebeu representantes de sindicatos e associações que representam categorias profissionais do esporte. Os convidados chamaram atenção para os problemas trabalhistas do futebol e lamentam que o projeto do governo federal não toque no assunto.

Rinaldo José Martorelli, presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), afirmou que a repactuação das dívidas é uma medida que só ajuda os clubes grandes, os únicos com inadimplências milionárias com a União. Para as agremiações de pequeno porte o problema mora nas dívidas trabalhistas, e mesmo os grandes têm contas a acertar nesse aspecto.

— Mais de 95% dos clubes não vão se beneficiar do refinanciamento. A questão sumamente importante é o passivo trabalhista, que não está contemplado. Não adianta os clubes acharem que saneando suas dívidas com a Receita e a Previdência vão ficar livres, porque daqui a pouco começa a execução [das dívidas trabalhistas] e o caldo entorna de novo.

Martorelli criticou o uso indiscriminado e desregulamentado dos direitos de imagem como forma de os clubes burlarem a legislação trabalhista.

— É uma ferramenta importante, mas é mal usado e possibilita a continuidade do passivo. Há casos de jogadores que movem processos de mais de R$ 1,5 milhão por problemas em contratos de imagem. Sei de clubes que fizeram esses contratos até com roupeiros. Os clubes não param de fazer coisa errada — disse.

Em teoria, os direitos de imagem são o valor pago ao atleta pelo clube para a utilização de sua imagem em campanhas publicitárias e eventos de patrocinadores. Na prática, os clubes usam os direitos de imagem como meio de pagamento da maior fração do salário combinado (até 90%, em alguns casos), para que o valor registrado na carteira de trabalho seja menor e os impostos trabalhistas sejam reduzidos.

Membros da comissão ligados à administração de clubes fizeram o contraponto aos argumentos de Martorelli. O senador Zezé Perrella (PDT-MG), que foi presidente do Cruzeiro, reconheceu que o funcionamento dos direitos de imagem “não é bem resolvido”, mas ponderou que os clubes não conseguiriam arcar com os altos salários de jogadores de outra forma.

— Hoje um jogador mediano ganha R$ 500 mil por mês. Não dá para pagar esse salário e mandar mais R$ 600 mil para o governo. Temos que discutir um teto salarial para os clubes não serem penalizados. O futebol tem que ser tratado de maneira diferente, não podemos encarar pela CLT — afirmou.

O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), dirigente do ABC Futebol Clube, de Natal (RN), também citou a existência de um “limbo jurídico” no que diz respeito ao regime trabalhista dos jogadores, o que cria indefinição em torno do pagamento de salários e encargos.

O jogador não tem características de trabalhador regular, é uma atividade diferenciada, então não pode ser regido pela CLT. Temos que ter uma legislação específica para a contratação de jogadores. É um vácuo que precisa ser preenchido — disse.

O senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, sugeriu que as entidades de atletas e os clubes dialoguem com o governo para solucionar o problema dos passivos trabalhistas de outra forma. A medida provisória, segundo ele, não poderia avançar nessa área.

— Do ponto de vista legal a MP não pode cobrir o passivo trabalhista, mas não podemos ignorar que é um problema gravíssimo. A justiça trabalhista tem a mão pesada, ela tira da renda do jogo, do repasse da televisão. Sugeriria conversar com o governo, tentar uma linha especial do BNDES e pagar essa dívida dentro desse “bolo” fiscal — opinou.

Árbitros

A audiência pública também tratou das condições de trabalho dos árbitros de futebol. Marco Antônio Martins, presidente da Associação Nacional dos Árbitros de Futebol (Anaf), denunciou que sua categoria é frequentemente excluída das discussões sobre os rumos do futebol e que a realidade trabalhista e salarial dos profissionais da arbitragem é precária.

— Existem de 80 a 100 mil árbitros espalhados pelo país sem carteira assinada, vínculo empregatício, direitos sociais, aposentadoria ou remuneração fixa. O Campeonato Brasileiro movimenta bilhões de reais e a arbitragem não tem acesso a quase nada. Os 20 árbitros de nível Fifa conseguem sobreviver da profissão, todos os outros têm que ter outro emprego.

O árbitro profissional Sandro Meira Ricci, que trabalhou na Copa do Mundo de 2014, apresentou dados à comissão que dão conta da disparidade entre a situação dos juízes brasileiros e a de seus pares em outros países, onde o ofício é mais regulamentado. Segundo explica, enquanto os árbitros europeus recebem salários de R$ 200 mil reais anuais em média, os brasileiros ganham apenas por jogo trabalhado, e dependem de sorteios para serem escalados para as partidas.

Ricci e Martins questionam também as condições de trabalho dos árbitros, que atuam sob pressão e têm responsabilidades sobre os resultados das partidas, que mexem com o planejamento e o resultado financeiro dos clubes. Eles demandam maior autonomia do setor para que os árbitros possam ter descanso adequado entre jogos, treinamento específico constante e preparação psicológica.

O presidente da Anaf esclarece que a principal reivindicação da categoria é a independência das federações estaduais, às quais as comissões de arbitragem são subordinadas atualmente. Em seu ponto de vista, isso permitiria a melhoria da situação trabalhista.

— Nosso maior pedido é que a arbitragem cuide da sua área. Somos preparados para isso. Se as federações não querem assinar a carteira, não tem problema, deixem que nós mesmos organizamos — resumiu.

O deputado Evandro Rogério Roman (PSD-PR), que foi árbitro profissional, é autor de uma emenda à MP que destina 5% da arrecadação com direitos de transmissão das partidas de futebol para os árbitros que atuarem nelas. Ele propõe que a categoria receba mais atenção das autoridades políticas e do futebol.

— Buscamos a regulamentação da profissionalização. Tentamos encontrar uma forma de que pelo menos os árbitros da primeira divisão tenham um nível adequado de investimento, cobrança, reciclagem e acompanhamento — disse.

Próximas audiências

A comissão mista realizará mais duas audiências públicas na semana que vem, na terça-feira, dia 12, e na quarta-feira, dia 13. Ambos os encontros serão às 14h e se destinarão a ouvir representantes de clubes de todas as divisões do Campeonato Brasileiro.

Na terça-feira a comissão receberá representantes de equipes da primeira e da quarta divisões. No mesmo dia, representantes dos clubes de futebol feminino poderão falar à comissão. Na quarta-feira será a vez dos clubes da segunda e da terceira divisões. A comissão ainda definirá quais clubes representarão o coletivo das agremiações.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)