Problemas dos clubes vão além das dívidas, afirmam debatedores da MP do Futebol

Guilherme Oliveira | 05/05/2015, 19h50

Em audiência pública realizada nesta terça-feira (5), a comissão mista que analisa a MP 671/2015 (conhecida como MP do Futebol) recebeu especialistas que debateram a atual situação financeira e estrutural dos clubes de futebol no Brasil. Todos eles alertaram que a discussão a respeito de uma modernização do futebol brasileiro deve ir além do refinanciamento das dívidas dos clubes – tema da medida provisória – porque os problemas não se limitam a isso.

O consultor Amir Somoggi, especialista em gestão e marketing esportivos, deu um duro diagnóstico a respeito da realidade gerencial dos principais clubes do país. Para ele, as entidades insistem em um modelo de gestão “sem racionalidade”, “insustentável” e que “caminha de lado”. Ele entende que é necessário exigir um choque de gestão.

— Mesmo que se resolva a questão fiscal, não se resolverá a gestão. Temos que forçar os clubes a reequalizar suas finanças. Se não repensarmos o modelo de administração do futebol brasileiro, ainda veremos clubes tradicionais fechando as portas — previu.

Segundo levantamento apresentado aos parlamentares por Somoggi, o ano de 2014 foi o pior da história do futebol brasileiro em termos financeiros. Os clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro acumularam um déficit de R$ 598 milhões e seu endividamento coletivo soma R$ 6,6 bilhões – o que equivale a dois anos de faturamentos. As dívidas são de natureza fiscal, trabalhista, bancária e com fornecedores. Segundo explicou o especialista, não há perspectiva de recuo desses números.

— As receitas não crescem há três anos e mesmo assim as dívidas evoluem. Há dependência quase extrema das cotas de televisão, patrocinadores não estão colocando mais recursos, falta criatividade no marketing e os estádios continuam vazios. Daqui a alguns anos vamos estar falando em déficit de bilhões — alertou.

Walter de Mattos Júnior, presidente do Grupo Lance! (que edita o jornal esportivo de mesmo nome), se referiu ao modelo de gestão dos clubes como “um atoleiro” e disse que ele é “arcaico e incapaz de lidar com os desafios atuais”.

— O regime de responsabilização é completamente inadequado. A origem associativa dos clubes foi sem fins lucrativos. No entanto, eles são entidades mercantis que faturam milhões, negociam, organizam eventos. Não há dirigentes punidos por gestão temerária, por mais que tenham deixado seus clubes falidos. Não vai haver gestão profissional nesse modelo amador — criticou.

O empresário acredita que o futebol brasileiro tem potencial para ser um importante elo econômico e social, mas que não existem iniciativas para aproveitá-lo nesse sentido. Ele chega a estimar quanto os clubes deixam de faturar por não estarem melhor estruturados:

— O futebol é um grande negócio, tem uma cadeia produtiva sofisticada, emprega dezenas de milhares de pessoas. Tem uma razão subjetiva à identidade do brasileiro. Só que não o exploramos adequadamente. Estamos deixando na mesa cerca de R$ 1 bilhão numa atividade que as pessoas querem ir, mas não damos condições.

O advogado Pedro Trengrouse, especialista em legislação esportiva, criticou a estrutura de poder do futebol brasileiro, que subordina os clubes às federações estaduais e as federações à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Para ele,  o sistema é herança de um regime de exceção.

— Esse modelo foi criado na ditadura do Estado Novo, quando determinou-se que deveria haver uma única entidade para gerir o esporte. Ele concentra a riqueza na CBF e nas federações. A autonomia da vontade, ser membro por querer ser membro, não estava na origem do sistema. Mesmo assim, ele foi recepcionado na Constituição de 1988 com autonomia. Somos reféns dele — lamentou.

O advogado questionou também os mecanismos eleitorais dentro dessas entidades, que, em sua avaliação, são refratários à renovação de lideranças.

— Por que atletas e clubes não têm direito a voto nas organizações que administram suas competições? Dirigentes se sucedem e a base de poder permanece a mesma. Se a ditadura criou esse sistema hermeticamente fechado, não dá para esperar nada mais.

Apoio e críticas à MP

Dos três debatedores, Trengrouse foi o mais crítico à medida provisória. Em seu ponto de vistas, a proposta do governo “usurpou a competência do Congresso”, uma vez que não respeitaria o requisito da urgência e atropelaria anos de debate sobre o assunto das dívidas dos clubes no Parlamento. Além disso, as condições que impõe aos clubes seriam injustas.

— Existe a intenção de se criar uma servidão por dívida. Não podemos nos aproveitar de um momento de fragilidade dos clubes para impingir, de forma açodada, condições que não necessariamente precisavam ser contrapartida. Se o clube pagar a dívida, não pode ser obrigado a fazer outras coisas em razão dela.

O texto da MP estabelece um refinanciamento das dívidas fiscais dos clubes, mas estipula uma série de exigências que devem ser seguidas pelas agremiações que aderirem ao programa. Até agora, nenhum clube aderiu.

Walter de Mattos Júnior defendeu as contrapartidas elencadas na MP. Para ele, se o governo se mostra disposto a negociar os valores devidos pelos clubes, deve ter o direito de demandar posturas específicas dos clubes em troca.

— O refinanciamento do passivo autoriza o Estado a exigir contrapartidas do devedor. Ainda mais que [os clubes] são devedores contumazes, que acumulam dívidas há muitos anos. O conjunto de regras visa garantir uma disciplina saudável — opinou.

Já Amir Somoggi também vê com bons olhos a iniciativa da MP e as deliberações do Congresso, mas crê que nada mudará de fato se a postura dos clubes em relação a sua própria realidade continuar a mesma.

— Os clubes estão de pires na mão, esperando um novo pacote de benesses do governo ou do Congresso – resumiu ele, fazendo referência a outras tentativas já feitas em ano anteriores de aliviar as dívidas e a situação financeira delicada dos clubes de futebol.

Os parlamentares presentes à audiência também se dividiram entre elogios e críticas à medida provisória. O deputado Danrlei de Deus (PSD-RS), que foi jogador profissional, enxerga nos atuais dirigentes de futebol boa vontade para liquidar as dívidas, porém falta de condições concretas para tanto.

— A vontade de ser correto existe em todos, mas eles não têm condições, porque a dívida que existe hoje é impagável. Se nós não ajudarmos agora, ninguém vai pagar nada - disse.

Já o deputado Marcelo Aro (PHS-MG), que é diretor de Ética e Transparência da CBF, acredita que a MP é invasiva e configura interferência indevida do governo nas atividades dos clubes. Ele cita uma das exigências, que é a adoção do fair play financeiro (limitação de gastos).

— É uma intervenção do Estado em questões particulares do futebol. A MP deveria ser só o parcelamento da dívida, mas ela está se estendendo. Os times são favoráveis ao fair play, mas é a CBF que tem que colocar no regulamento. Não deveria ser por força de lei.

Na visão do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ex-ministro do Esporte, a ação mais incisiva do governo é apenas um efeito colateral benéfico dos objetivos da MP.

— Os focos devem ser o refinanciamento e o aperfeiçoamento da gestão. Se eventualmente o governo induzir atividade em uma área ou em outra, não tem problema. Futebol é atividade econômica e, como tal, tem que ser regulada e fiscalizada.

Por sua vez, o deputado Andrés Sanchez (PT-SP), ex-presidente do Corinthians e vice-presidente da comissão, afirmou que a medida provisória parte de diagnósticos equivocados. Ele também é contra as exigências impostas aos clubes, que considera invasivas. O exemplo que usou foi a proibição de reeleição para dirigentes de clubes e federações.

— Os clubes não estão falidos, isso é balela. A estrutura do futebol é que é desleal. O governo não quer ajudar; que ser meter em futebol. Sou contra a reeleição, mas também sou contra o governo se meter nisso, é problema dos clubes e das federações. A MP é uma vergonha, não vale nada.

Próxima audiência

A comissão da MP do Futebol realizará nova audiência pública nesta quarta-feira (6). Ela receberá representantes de entidades de classe do futebol nacional. Estarão presentes o presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol do Rio de Janeiro, Alfredo Sampaio, e o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, Rinaldo José Martorelli.

Para esta audiência a comissão também convidou o Bom Senso Futebol Clube, um movimento independente fundado por jogadores profissionais e a Associação Nacional dos Árbitros de Futebol. Essas entidades ainda não confirmaram os nomes de seus representantes na audiência.

COMO ACOMPANHAR E PARTICIPAR

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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)