Senado enfrenta desafio de aprovar marco da biodiversidade até início de abril

Iara Guimarães Altafin | 27/02/2015, 17h38

Facilitar a pesquisa com plantas e animais nativos e a repartição de benefícios gerados pelo uso comercial desse patrimônio genético e do conhecimento sobre ele desenvolvido por indígenas e comunidades tradicionais. Esse é o objetivo do projeto que institui o marco legal da biodiversidade, que tramita no Senado em regime de urgência e precisa ser votado até dez de abril, ou passará a trancar a pauta do Plenário.

O texto em exame (PLC 2/2015) é um substitutivo da Câmara ao projeto enviado pelo Executivo. Seu propósito é substituir a MP 2.186-2001, que hoje rege a pesquisa sobre a biodiversidade brasileira e é considerada excessivamente exigente por alguns setores da economia.

O consultor do Senado Habib Faxe Neto explica que a MP foi editada para combater a biopirataria e por isso prevê diversos mecanismos de controle, o que resultou em desestímulo à pesquisa científica e tecnológica no país.

— E não estamos falando de [dificuldades de] empresa estrangeira, mas também de pesquisadores de Embrapa, que têm uma dificuldade enorme para desenvolver produtos de biotecnologia que necessitem acesso ao patrimônio genético nacional. Por outro lado, tem sido uma norma importante por regular dispositivos da convenção sobre diversidade biológica — frisou.

Hoje, para pedir ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) autorização para iniciar a prospecção de uma espécie nativa da fauna ou da flora, o pesquisador deve apresentar um contrato de repartição de benefícios que poderão ser gerados pela futura exploração econômica do recurso. Isso antes mesmo de se conhecer o potencial de utilização comercial do mesmo.

Pela nova lei, a exigência passará a ser apenas de preenchimento de cadastro eletrônico a ser disponibilizado pelo conselho. Quando se tratar de pedido de investigação sobre uma prática de uma comunidade indígena ou tradicional, será exigido o consentimento prévio dos detentores do conhecimento.

O substitutivo também acaba com a necessidade de autorização para remessa de material genético entre instituições dentro do país, mantendo a exigência de cadastro para remessas ao exterior. E empresas estrangeiras sem vinculação com instituições nacionais poderão solicitar autorização para acesso ao patrimônio genético brasileiro.

O novo marco legal é visto pela indústria química e de cosméticos como fundamental para o avanço da pesquisa genética e desenvolvimento de novos produtos.

Repartição de benefícios

O novo marco legal também trata da repartição dos benefícios gerados pela venda de produto oriundo de pesquisa envolvendo conhecimento tradicional sobre um patrimônio genético. Como explica Luciano Póvoa, consultor do Senado, trata-se de uma compensação pelo serviço prestado à ciência por esse saber local.

— O conhecimento de uma comunidade indígena sobre uma planta, uma raiz, usada como medicamento ou alimento, demoraria muito tempo para ser obtido sem a experiência daquela população e o acesso dos pesquisadores a ela — explica ele.

Para essa situação, o projeto determina que o fabricante do produto final oriundo do conhecimento tradicional assegure uma compensação que pode ser monetária, a título de royalties, ou não monetária, na forma de transferência de tecnologia, quebra de patentes ou distribuição de produtos.

No caso de compensação financeira à comunidade tradicional, o texto estabelece o pagamento equivalente a 1% da receita líquida anual obtida com a venda do produto acabado. Esse percentual poderá ser reduzido a até 0,1%, por acordos setoriais com o governo. O pagamento é obrigação do fabricante do produto final e não precisa ser pago nas etapas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Quando se tratar de pesquisa que não envolve conhecimento tradicional, uma investigação sobre componentes de uma planta nativa, por exemplo, há a necessidade de se determinar o destinatário da compensação. Habib Fraxe explica que uma floresta que está dentro de uma propriedade privada não pertence ao dono desse imóvel rural.

— As florestas são bens de uso comum do povo, tanto que para desmatar uma floresta é preciso autorização do poder público para isso — informa.

Nesse caso, a repartição de benéficos pode envolver a União ou o estado e os recursos serão destinados ao Fundo Nacional para Repartição de Benefícios, criado pelo novo marco legal para a proteção do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado.

Agricultura

O texto original excluía da nova lei pesquisas relacionadas à agricultura, que continuariam regidas pela Medida Provisória 2.186/01, mas isso foi modificado no substitutivo aprovado na Câmara. O texto agora estende a simplificação de regras para a investigação genética de espécies nativas em aspectos que possam ser transferidos para culturas e criações.

É o caso de investigações de genes que, por exemplo, fazem uma planta nativa mais resistente à seca e a transferência dessa característica a culturas comerciais como soja ou café. Nesse caso, o projeto determina que não haverá repartição de benefícios, pois o produto final (o grão produzido) é fruto de pesquisa com espécie exótica.

O substitutivo da Câmara determina que será o Ministério da Agricultura, e não o Ministério do Meio Ambiente, como previa o texto original, o responsável pela fiscalização das pesquisas com interface com atividades agropecuárias.

Multas

O projeto prevê mecanismo para sanar irregularidades ocorridas até a publicação da nova lei, como exploração econômica não autorizada de patrimônio genético ou remessa irregular de material genético ao exterior. A regularização se dará por meio da assinatura de um termo de compromisso.

Feito isso, estarão suspensas sanções administrativas e reduzidas em 90% as multas aplicadas ao infrator, que terá a possibilidade de converter os demais 10% das multas em modalidade de repartição de benéficos não monetária.

Caso o acesso irregular ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional tenha sido unicamente para fins de pesquisa científica, o usuário estará dispensado do termo de compromisso e poderá se regularizar por meio de cadastro ou autorização da atividade.

A pessoa física que descumprir o novo marco legal estará sujeita a multas que variam de R$ 1 mil e R$ 100 mil e a pessoa jurídica, a multas entre R$ 10 mil a R$ 10 milhões, além de apreensão de amostras e interdição do estabelecimento ou atividade.

Tramitação

Antes de ser votado em Plenário, o PLC 2/2015 tramitará simultaneamente em quatro comissões do Senado: Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Econômicos (CAE), Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)