Baixa qualidade no ensino é barreira para ampliar público leitor

Marina Domingos | 03/02/2015, 10h05

A escritora Lucília Garcez, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) e a pesquisadora Zoara Failla concordam: a baixa qualidade do ensino no país pode estar contribuindo para que os alunos leiam pouco e não criem uma relação duradoura com a literatura. Gerente-executiva de projetos do Instituto Pró-Livro, formado pelas principais associações de livreiros nacionais, Zoara coordenou a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, último levantamento de peso feito no país sobre o assunto.

A sondagem, encomendada ao Ibope e lançada no início de 2012, ouviu cerca de 5 mil pessoas em 315 municípios e concluiu que a parcela de não leitores aumentou de 45%, em 2007, para 50%, em 2011. A pesquisa considerou como leitores as pessoas que declararam ter lido, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses.

— Tem se investido muito em livros e o que se esperava é que tivesse melhorado — diz a pesquisadora.

Para a escritora Lucília Garcez, doutora em linguística aplicada pela Universidade de Brasília (UnB), o interesse dos jovens e adultos pela literatura começa na escola, que não cumpre seu papel.

— A escola funciona mal como formadora de leitores. Ela não é capaz de desenvolver na criança uma leitura proficiente, a criança não sai da escola dominando a leitura e os professores não são bons formadores de leitores. Eles não levam a criança a descobrir a leitura como uma fonte de prazer, a descobrir a leitura como uma fonte de conhecimento, como uma fonte de crescimento. Então, a escola falha — diz a escritora, que possui 17 livros publicados, entre eles Técnica de Redação.

Autoajuda

Um dado que chama a atenção é a queda no índice de leitura a partir dos 25 anos de idade. Na faixa até 24 anos, 49% dos entrevistados disseram ser leitores, mas, dos 25 aos 70, o percentual de não leitores foi de 75%.

— Outra falha da nossa escola é essa: por que ela estimula a leitura durante a escolarização e essa leitura não é duradoura? Não permanece? A pessoa não cria o hábito de ler duradouro, para o resto da vida — questiona Lucília Garcez.

O senador Cristovam Buarque, que tem um mandato fortemente ligado à educação, aprofunda a crítica à qualidade do ensino.

— Dizem por aí que nós temos 95% das crianças na escola. Não são escolas. São uns prediozinhos muito ruins, feios e sujos, com algumas pessoas dedicadíssimas, que a gente chama de professor — aponta.

A pesquisadora Zoara Failla tem opinião semelhante:

— O perfil do professor é muito parecido com o da população como um todo. Se perguntado sobre o último livro que leu, geralmente é de autoajuda, religioso. Ele tem um repertório muito limitado e isso dificulta a indicação de livros de acordo com os interesses das crianças e jovens, que são diferentes em diferentes regiões.

Redes sociais

Lucília Garcez também aponta o Facebook como uma possível causa da queda no número de leitores no Brasil.

— A pesquisa não investigou isso, mas eu conheço pessoas que passam um tempo enorme na frente do computador — avalia.

Para Zoara Failla, o uso de novas tecnologias pode dificultar a aproximação dos livros por quem ainda não foi despertado pelo gosto da leitura. Ela até admite que as pessoas que passam muito tempo na internet têm, por exemplo, o acessso facilitado aos e-books, os livros eletrônicos. Mas, na opinião da pesquisadora, essa facilidade não leva obrigatoriamente à leitura.

Já o senador Cristovam Buarque acredita que a internet e as redes sociais não devem ser consideradas vilãs.

— Se a gente tem uma boa escola, o Facebook vai ajudar as pessoas a ler. Porque você passa a ler pelo computador. A gente tem que colocar mais livros dentro do iPad, mais livros dentro do Kindle e mais formas de educar as crianças a usarem a internet — alerta.

O jornalista e escritor José Godoy avalia que as redes sociais ajudam na divulgação dos autores e livros.

— Não podemos tratar de forma rasa, culpando a internet e as redes sociais, pois o indivíduo tem múltiplos interesses e consome a cultura de forma individual — argumenta.

Godoy lembra que, nos Estados Unidos, um levantamento feito pela empresa Nielsen, em dezembro do ano passado, mostrou que, mesmo sob forte influência das redes sociais, os jovens e as crianças leem mais por lá.

A pesquisa apresentada no Children's Book Summit (Cúpula do Livro Infantil) revelou que o mercado norte-americano de livros infanto-juvenis aumentou 44% na última década. Também apontou que 67% dos entrevistados disseram ler por prazer e que metade afirmou preferir o livro de papel ao e-book.

Ainda de acordo com o levantamento, na faixa etária entre zero a 10 anos de idade, a principal fonte de lazer é o livro. A partir dos 11 anos, a TV e os games começam a dominar o tempo livre da criança. Godoy compara com o Brasil:

— Infelizmente, estamos num país no qual o livro não faz parte do nosso horizonte cultural. Todo mundo tem uma ligação com a música, já teve uma experiência com o cinema, mas o livro não faz parte desse horizonte — destaca.

Nas ruas, maioria das pessoas diz que está lendo

Enquete feita pelo Jornal do Senado, nas ruas de Brasília, revelou apenas uma pessoa não leitora, de acordo com os parâmetros da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. A jornalista Talita Oliveira, 24 anos, disse que o livro mais recente que leu foi em janeiro do ano passado — Rota 66: a história da polícia que mata, do jornalista e escritor Caco Barcellos.

— Não é nem tanto pelo preço, porque tem o sebo onde você compra vários livros usados. Mas posso dizer que é tempo, pois eu estudo para concurso — disse Talita, que prefere comprar os livros que lê.


Já a doméstica Miriam de Barros Lima, 38 anos, disse que lê muitos livros evangélicos, como a Bíblia, além de autores como o pastor Silas Malafaia e obras do norte-americano Josh McDowell. O último livro lido foi Como Chegar ao Reino do Céu.

— A televisão não passa muita coisa que presta e é muito importante ler, para aprender mais a cultura, para entender melhor o português. Através da leitura, você aprende melhor a falar o português — disse.


O comerciário Welison Damaceno gosta de ler mangás, tipo de história em quadrinho japonês, mas também comprou Percy Jackson e os Olimpianos, do autor norte-americano Rick Riordan.

— Quando eu vejo, já cheguei ao final do livro — conta.

Welison disse que não considera caros os livros de que gosta.


O último livro lido pelo administrador Thiago Ferreira, 22 anos, foi do autor George R.R. Martin, famoso pela série de televisão Game of Thrones.

Além de pegar livros emprestados em bibliotecas, ele costuma baixar livros eletrônicos pela internet.

— É muito importante [a leitura], tanto para falar, quanto para escrever, quanto para agir



Projetos propõem mais acesso ao livro

Três projetos de lei apresentados no Senado tratam de incentivos para o público leitor. O ex-senador José Sarney apresentou o PLS 294/2005, que prevê a criação do Fundo Nacional Pró-Leitura, em regulamentação à Política Nacional do Livro, de 2003. O também ex-senador Alfredo Nascimento é autor do PLS 156/2013, que promove o acesso universal às bibliotecas públicas, e do PLS 259/2013, que estabelece o conceito formal de biblioteca.

A proposta de Sarney foi aprovada pelo Senado e aguarda análise na Câmara. O texto prevê que projetos de incentivo à leitura sejam beneficiados com recursos de um fundo nacional.

O dinheiro viria do Tesouro Nacional, doações, legados, subvenções e auxílios de entidades de qualquer natureza, inclusive de organismos internacionais. O objetivo é promover a elaboração, a edição e a difusão de obras, além do estímulo à produção intelectual de autores brasileiros.

O PLS 156/2013 recebeu parecer favorável do relator, o senador Cristovam Buarque. Ele modificou a redação para incluir emendas que contemplariam a proposta do PLS 259/2013, sobre bibliotecas públicas.

Cristovam defende a criação de leis que ajudem na formação de um público leitor. Ele lembrou do Projeto Mala do Livro, que colocou em prática quando foi governador do Distrito Federal (1995–1998).

Pela proposta, minibibliotecas eram instaladas em residências de agentes comunitários de leitura, para empréstimo de livros à vizinhança. Cada biblioteca domiciliar tinha um acervo de cerca de 150 volumes. O empréstimo durava sete dias.

— Um menino que nunca viu uma bola de futebol, não joga bola. Um menino que nunca pegou num livro, não começa a ler. A verdade é que a imensa maioria das casas brasileiras não tem livros — lamenta.

Moradora do Distrito Federal, Vânia Gonçalves da Silva, 31 anos, é técnica em análises clínicas e mãe de dois filhos. Sempre lê e gosta do gênero romance. O livro mais recente que leu foi Querido John, do norte-americano Nicholas Sparks. Segundo ela, os filhos, com 9 e 7 anos de idade, também gostam de ler. Ela conta que pega livros emprestados em bibliotecas, pois considera alto o preço das publicações.

— É caro. Por isso, eles pegam de uma biblioteca muito boa na Escola Classe 204 Sul [em Brasília]. E eu, geralmente, pego na biblioteca da faculdade onde estudei — disse



Festas literárias abrem espaço a autor e público

Bienais, feiras do livro e festivais literários como os de Parati (RJ) e Porto de Galinhas (PE) são oportunidades de encontro do brasileiro com autores e suas obras. A Flipiri, Festa Literária de Pirenópolis (GO), é um exemplo e vem sendo realizada há seis edições.

Um dos objetivos do evento é trabalhar, nas escolas das redes pública e privada, os livros dos autores convidados. Os professores recebem o material com antecedência e, nos dias da festa literária, são agendadas visitas às escolas, chamadas de itinerância do autor.

Os alunos da Escola Municipal Santa Maria de Nazaré, na comunidade rural de Caxambu, receberam, em uma das edições da Flipiri, a autora Raquel Ferreira, que tem uma série de livros infantis sobre os ratinhos Racumim e Racutia.

A história do ratinho que deveria roer os livros, mas ao contrário, escolheu lê-los, já rendeu a Raquel e à coautora, Maria Célia, quatro livros publicados e mais um lançamento para 2015.

— A Flipiri tem esse grande barato que é dar oportunidade às crianças de terem contato com o autor. Acho isso fantástico, tanto para a gente saber e ter esse retorno da criança, como também para a criança. Incrível ela ler um livro e depois saber de onde surgiu aquela história — diz.

A autora aposta nas novas gerações e acredita que, mesmo com a concorrência da internet, há espaço para a leitura:

— Na leitura, você poder fazer as suas escolhas. Eu digo até que não existe quem não gosta de ler, existe quem ainda não descobriu que tipo de livro gosta de ler — afirma.

Afeto

A Flipiri envolve, a cada evento, uma média de 50 escritores e artistas convidados. Recebe ainda 250 professores das redes municipal e estadual, mobilizando ­5 mil alunos num grande encontro com a leitura.

A festa já contou com a participação de autores de renomados, como Inácio de Loyola Brandão, Moacyr Scliar, José Miguel ­Wisnik, Elisa Lucinda e o ilustrador e escritor norte-americano Todd Parr.

— Fazer eventos como esse faz as pessoas pararem para pensar: como está minha leitura?

Todos os anos elas começam a esperar prazerosamente pelas manifestações literárias e artísticas. E criam um ambiente onde muitos escritores já nasceram, bibliotecas foram abertas — destaca a curadora da Flipiri, Iris Borges.

A próxima Flipiri está marcada para os dias 2 a 6 de junho, com o tema “Literatura e afeto”. Os homenageados deste ano serão os autores Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti, ganhadora do prêmio Jabuti de 2014.


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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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