Greenwald: EUA espionam para ampliar poder e obter vantagens econômicas

Augusto Castro | 09/10/2013, 19h05

Em audiência pública da CPI da Espionagem na tarde desta quarta-feira (9), o advogado e jornalista norte-americano Glenn Greenwald afirmou que os principais objetivos da espionagem dos Estados Unidos em outras nações é ampliar seu poder no mundo e obter vantagens econômicas para seu governo e suas empresas.

- A espionagem é econômica. Com certeza o grande motivo da espionagem é para obter vantagens econômicas, vantagens industriais. Sem dúvidas, o propósito principal não é o combate ao terrorismo, não é a segurança nacional, não é o combate a outros crimes como a pedofilia. É para aumentar o poder dos EUA e dar vantagem econômica – afirmou.

A audiência foi conduzida pela presidente da CPI, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), com apoio do relator, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), e participações do vice-presidente do colegiado, Pedro Taques (PDT-MT), e do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Também depôs o companheiro de Greenwald, o estudante brasileiro David Miranda. Ambos residem no Rio de Janeiro.

Greenwald é colunista do jornal britânico The Guardian. Ele foi o responsável por publicar as revelações do ex-técnico da agência de segurança americana (NSA) Edward Snowden sobre os programas secretos norte-americanos de interceptação de dados eletrônicos e telefônicos em todo o mundo. Greenwald publicou reportagens no jornal O Globo, na revista Época e também no programa Fantástico revelando espionagem dos EUA contra a presidente Dilma Rousseff e assessores próximos e na Petrobras. Também divulgou informações sobre espionagem canadense no Ministério de Minas e Energia.

Snowden é acusado de traição pelo governo americano e recebeu asilo político pelo prazo de um ano do governo da Rússia. Greenwald afirmou que seu único objetivo com essas reportagens é informar o público. Segundo ele, cidadãos de todo o mundo têm o direito de saber que “as nações mais poderosas do mundo” espionam empresas, governos, entidades e pessoas de diversos países.

- Acho que é minha obrigação como jornalista ajudar a proteger a privacidade e os direitos humanos de todas as pessoas em qualquer país – afirmou.

Ele informou que Snowden lhe deu “muitos documentos, muito complexos” há quatro meses, nos quais está trabalhando desde então e divulgando na medida em que descobre fatos importantes, como as espionagens no Brasil e no México. Atualmente, revelou, está trabalhando com jornalistas da França e da Espanha sobre espionagens que esses países também teriam sofrido.

Segundo ele, os Estados Unidos e seus aliados mais próximos estão em “guerra contra o jornalismo e contra a liberdade de imprensa”. São os chamados Five Eyes (Cinco Olhos, em inglês): EUA, Inglaterra, Canadá, Austrália, Nova Zelândia.

Ele disse que essas cinco nações cooperam entre si, compartilhando informações e técnicas de espionagem, inclusive as reveladas por ele e Snowden.

- Agora podemos ver que o governo dos Estados Unidos age como os governos do Irã e da China – disse, referindo-se à prática de espionagem internacional.

Para ele, EUA, Inglaterra e Canadá estão fazendo o que sempre acusaram a China de fazer: espionagem industrial, econômica e financeira.

- É verdade, a China faz, mas eles fazem exatamente a mesma coisa em inúmeros países. Os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra estão mentindo para suas populações e para o mundo. Falam que o sistema de espionagem é contra o terrorismo ou pedófilos. Será que há terroristas ou pedófilos na Petrobras? Eles mentem, seus argumentos não são verdade – afirmou, categórico.

David Miranda

O companheiro de Greenwald, David Miranda, foi o primeiro a falar na audiência pública. Ele fez um breve relato de sua detenção, por parte de autoridades britânicas, no aeroporto londrino de Heathrow, em 18 de agosto.

Ele disse que foi detido pela polícia logo após desembarcar do voo em Londres e ficou 8 horas e 55 minutos em uma sala respondendo a inúmeras perguntas dos agentes sobre os mais diversos assuntos, como suas posições políticas, os protestos de junho no Brasil e seu envolvimento com as reportagens de Greenwald, entre outros. Ficou ainda detido mais duas horas em outras dependências do aeroporto, esperando sua liberação. Também foi ameaçado de ser preso caso se recusasse a responder a qualquer um dos questionamentos.

- Fui detido na Inglaterra simplesmente pelo fato de eu ser brasileiro – disse, antes de acrescentar que os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra ainda enxergam os “países do Sul” como meras colônias.

Na ocasião, os policiais apreenderam também aparelhos eletrônicos de Miranda, como notebook, celular, pendrive e videogame, que até agora não foram devolvidos.

Miranda disse que os agentes o detiveram lançando mão da lei antiterrorismo local. Segundo ele, mais de 90% das pessoas detidas no Reino Unido com base nessa lei são liberadas em média depois de uma hora e que essa lei permite detenções para interrogatório por no máximo nove horas.

Para Miranda, o objetivo de sua detenção foi claro, o governo britânico quis intimidar Greenwald e Snowden por meio de pessoas a eles relacionadas.

- Foi uma mensagem direta a Glenn, queriam intimidar ele, Laura e o The Guardian – disse, referindo-se à cineasta documentarista norte-americana Laura Poitras, que trabalha com Greenwald e Snowden na divulgação dos documentos secretos. O brasileiro acrescentou que policiais britânicos invadiram, três semanas antes de sua detenção, escritório do jornal The Guardian e obrigaram que jornalistas e editores destruíssem computadores que supostamente continham informações sobre o sistema de espionagem.

O brasileiro disse ainda que se relaciona com Greenwald há oito anos e também ajuda o companheiro em seu trabalho de jornalismo investigativo.

Olympia

Em resposta ao relator, Ricardo Ferraço, Greenwald disse que não tem mais informações sobre o programa de computador Olympia, que seria usado pela agência de inteligência do Canadá para espionagem internacional, inclusive contra o Ministério de Minas e Energia brasileiro. Mas acrescentou que, em parceria com jornalistas canadenses, também está tentando aprofundar investigações sobre a espionagem daquele país.

Ferraço afirmou que a presidente da Petrobras, Graça Foster, e a diretora geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard, já afirmaram no Senado que as informações estratégicas das duas entidades não foram violadas.

Greenwald disse que é muito difícil para qualquer país proteger-se contra a espionagem dos EUA, pois, segundo ele, “é o sistema de espionagem mais forte do mundo”. Entretanto, disse não saber que tipo de informações ou dados poderiam ter sido violados nessas empresas.

- A NSA não está de brincadeira, acho que ela tem motivos para investigar a Petrobras, não sei quais. O governo brasileiro precisar pressionar os EUA para saber isso – continuou.

Documentos

O vice-presidente da CPI, senador Pedro Taques, chegou a sugerir que Greenwald entregasse ao Senado todos os documentos sobre espionagem em seu poder, para que a Casa ajudasse na segurança e análise dos documentos. Mas Greenwald disse não ser possível pois poderia incorrer em crimes em seu país natal, como o de traição por entregar documentos ultrassigilosos a outro país.

O jornalista disse estar fazendo “jornalismo com muito risco”. Informou que ele e os demais envolvidos na divulgação estão sendo ameaçados de ser processados e declarou que “vai continuar até o último documento”.

Ele afirmou ainda que mantém contato quase diário com Snowden e que a CPI deveria procurar o ex-técnico da NSA para obter informações mais aprofundadas. Ele se prontificou a fornecer à comissão os contatos dos advogados norte-americano e russo de Snowden para que os membros da CPI possam contatar o asilado na Rússia.

Greenwald também levantou a hipótese de que Snowden tenha mais informações e documentos que não lhe repassou. Disse ainda que empresas como Google, Apple, Skype, Facebook e Microsoft são obrigadas por leis antiterroristas a fornecer informações de seus usuários à NSA, principalmente dos usuários de fora dos EUA.

- Elas negam que a NSA tem acesso sem limites, dizem que a NSA tem acesso só ao que a lei permite, ao que a lei os força a fornecer. Mas a lei americana quase não tem limites para investigar cidadãos estrangeiros, para americanos há um pouco mais de limite – acrescentou Greenwald.

Itamaraty

David se disse decepcionado com a falta de ação do Itamaraty sobre o caso. Ele afirmou não saber se o Ministério das Relações Exteriores brasileiro está empenhado no caso.

- Até agora não vi resposta concreta para que isso não aconteça com outros brasileiros – disse.

Ao final dos depoimentos, a CPI aprovou requerimento para solicitar informações ao Itamaraty e pedir que o ministério acompanhe o caso.

Outros requerimentos

A CPI também aprovou requerimentos para que o colegiado colha os depoimentos do presidente do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Batista de Rezende, do diretor geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, e do ex-deputado federal Marcelo Itagiba, que presidiu a CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas entre 2007 e 2009. O objetivo dos membros da CPI da Espionagem é averiguar a capacidade de o Brasil proteger o sistema de telecomunicações nacional de espionagens externas e saber do andamento das investigações oficiais sobre a espionagem norte-americana.

Os senadores aprovaram ainda requerimento para que a comissão contate os advogados de Snowden para tentar uma teleconferência com ele e outro requerimento para pedir autorização das autoridades russas para essa teleconferência.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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