Senado celebra cultura e identidade afro-brasileiras com entrega de comenda

Rodrigo Baptista | 20/11/2014, 14h05

“Valeu Zumbi! O grito forte dos Palmares. Que correu terra, céus e mares. Influenciando a abolição”. Os versos da canção Kizomba, Festa da Raça deram o tom de sessão especial que marcou a entrega da Comenda Abdias Nascimento, em sua primeira edição. O evento ocorreu na manhã desta quinta-feira (20), Dia da Consciência Negra, no Plenário do Senado, ocasião em que sete personalidades foram agraciadas por terem se destacado na proteção e na promoção da cultura afro-brasileira.

O cantor e compositor Martinho da Vila, um dos homenageados, cantou a música no encerramento da sessão. Antes, saudou o Senado pela iniciativa.

 O Senado dá hoje um grande passo na direção da erradicação do racismo. Sonho com o dia em que não haverá a necessidade de movimento negro no Brasil – disse o músico.

Além de Martinho, foram agraciados o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ); o também músico Gilberto Gil; a militante do movimento negro Edna Almeida Lourenço, conhecida como Ekdje Edna de Oiyá; o ator Milton Gonçalves; o professor Silvio Humberto dos Passos Cunha, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), na Bahia; e, in memoriam, o pescador Francisco José do Nascimento (1839-1914), o “Dragão do Mar”, que ficou famoso por sua luta abolicionista no Ceará.

Gilberto Gil foi representado por Grace Passos Stefanini, sua assessora e ex-chefe de gabinete no Ministério da Cultura. Milton Gonçalves por Eloi Ferreira de Araújo, ministro-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Francisco José do Nascimento, único já falecido entre os condecorados, foi representado por Paulo Victor Gomes Feitosa, secretário-adjunto estadual de Cultura do Ceará.

País mais justo

A data (20 de novembro) faz referência à morte de Zumbi, em 1695, o então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco. Zumbi é considerado um ícone da luta pela igualdade racial.

 Que essa homenagem que prestamos a tão ilustres brasileiros sirva de reflexão sobre o preconceito racial que persiste em nosso país e que seja também um incentivo para construirmos um país mais justo e mais humano – disse o presidente do Senado, Renan Calheiros, que presidiu a sessão.

Um dos idealizadores da comenda, senador Paulo Paim (PT-RS), saudou a memória de Abdias Nascimento (1914-2011), inspirador da homenagem. Abdias foi senador e deputado federal pelo Rio de Janeiro, jornalista e militante do movimento negro no Brasil. Esteve à frente de projetos pioneiros na luta pela igualdade racial no país, como o Teatro Experimental do Negro e o jornal Quilombo.

Violência contra jovens negros

Paim citou alguns avanços no combate ao preconceito e na valorização do negro como a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei de Cotas, mas lamentou a desigualdade ainda existente no mercado de trabalho e o alarmante índice de jovens negros assassinados.

 Apelo a todos as autoridades para unir forças para acabar com o genocídio da juventude negra. Morrem quase três vezes mais negros do que não negros. Chega! Não podemos permitir que o chicote de ontem seja a bala de hoje – afirmou.

A violência contra jovens negros também marcou o discurso da outra idealizadora da condecoração, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA). Ela afirmou que o país parece enfrentar um retrocesso em relação aos direitos humanos, com os crescentes casos de injúria racial no futebol, intolerância contra religiões de matriz africana e assassinatos de negros.

 Persiste em nosso país as consequências trágicas do mais longo período de escravidão da história moderna – disse a senadora, ressaltando a importância de colocar para funcionar a CPI do Senado que vai investigar o genocídio de jovens negros.

Viúva de Abdias Nascimento, a professora Elisa Larkin Nascimento, disse ser importante a criação de um fundo nacional da igualdade racial.

 É necessário voltarmos a essa ideia para que recursos públicos que já estão contemplados pelo Estatuto da Igualdade Racial, mas que não chegam a ser empenhados no orçamento público, sejam dirigidos também para lutar contra o genocídio de jovens negros – disse Elisa, que recordou a atuação de Abdias em prol da igualdade racial.

Também estiveram presentes ao evento a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros; os senadores José Pimentel (PT-CE) e José Agripino (DEM-RN), o embaixador da África do Sul, Mphakama Nyangweni Mbete; e a  Ministra da Cultura, Ana Cristina Wanzeler, entre outras autoridades.

O prêmio

A Comenda Senador Abdias Nascimento foi instituída em novembro de 2013, pela Resolução 47 do mesmo ano, oriunda de um projeto dos senadores Lídice da Mata (PSB-BA) e Paulo Paim (PT-RS).

A escolha dos agraciados é feita anualmente, por um conselho formado por representantes de todos os partidos representados no Senado. Os nomes para receber a comenda podem ser indicados por senadores, deputados federais e entidades de âmbito nacional que desenvolvem atividades relacionadas à proteção e à promoção da cultura afro-brasileira.

Os homenageados

Benedito Gonçalves Nasceu em 30 de janeiro de 1954, no Rio de Janeiro (RJ). É formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e se especializou em Direito Processual Civil. Desembargador Federal desde 1988, assumiu o cargo de ministro do Superior Tribunal de Justiça em 2008.

Gilberto Gil – Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em 26 de junho de 1942, em Salvador (BA). O compositor, cantor, multi-instrumentalista, político, escritor, ambientalista e empresário. Já recebeu inúmeros prêmios, incluindo o Grammy Latino.  Foi também ministro da Cultura.

Martinho da Vila – Martinho José Ferreira nasceu em 12 de fevereiro de 1938 em Duas Barras (RJ). Foi o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias vendidas. É presidente de honra da escola de samba Vila Isabel.

Edna Almeida Lourenço – Natural de Campinas (SP), onde nasceu em 13 de novembro de 1951, Edna é Conhecida como Ekdje Edna de Oiyá. É militante do movimento negro e fundadora da Coordenação do Grupo Força da Raça.

Milton Gonçalves – O ator e escritor nasceu em Monte Santo de Minas (MG), em 9 de dezembro de 1933. Com mais de 70 filmes e 80 novelas no currículo, é também conhecido militante do movimento negro.

Silvio Humberto dos Passos Cunha – Nasceu em Salvador (BA). É doutor em Economia pela Universidade Federal de Campinas (USP). É professor da Universidade de Santana (BA) e fundador do Instituto Cultural Steve Biko, que atua na valorização da comunidade negra.

Francisco José do Nascimento (in memoriam) – Francisco José do Nascimento (Canoa Quebrada, Aracati, 15 de Abril de 1839 — Fortaleza, 5 de Março de 1914), é considerado um expoente na luta abolicionista. O “Dragão do mar”, como ficou conhecido, ajudou na libertação de escravos na então província do Ceará, em 25 de março de 1884, quatro anos antes da abolição da escravatura no país.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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