Mesmo em minoria, oposição consegue adiar votação de mudança no superávit de 2014

Da Redação | 19/11/2014, 20h51

Um "cochilo" da base governista na Comissão Mista Orçamento (CMO), nas palavras do deputado Mendonça Filho (DEM-PE), permitiu que a oposição fosse bem-sucedida no objetivo de adiar a votação do PLN 36/2014, que altera o cálculo da meta do superávit primário do governo federal. Os parlamentares governistas não conseguiram votos suficientes para aprovar a chamada quebra de interstício, o que permitiria a votação do relatório do senador Romero Jucá (PMDB-RR) ainda nesta quarta-feira (19). A CMO volta a se reunir na terça-feira (25) para votar a matéria.

- O governo cochilou vergonhosamente, precisaria de maioria absoluta dos membros da Câmara e do Senado para incluir a matéria. A disposição da oposição é de derrotar o governo no que se refere ao mérito da proposta, porque é um descompromisso com o equilíbrio das contas públicas, que significa mais inflação, menos crescimento econômico, mais desemprego – disse o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho.

Por sua vez, o relator Romero Jucá, embora reconhecendo o deslize, disse que a matéria será aprovada na próxima semana.

- Faltou mobilização da base do governo na Câmara, faz parte do jogo democrático. Nós vamos, na terça-feira, retomar a votação. Estamos dentro do prazo, com tranquilidade, já vencemos várias etapas, o importante é cumprir o regimento e votar dentro das regras. Não foi uma derrota, foi um atraso. Foi uma cochilada da base do governo na Câmara – disse o senador.

Antes do revés, a maioria governista de deputados e senadores havia conseguido aprovar requerimento para que o projeto fosse incluído na pauta de votação da CMO. Com isso, Jucá procedeu à leitura de seu relatório e a discussão foi aberta, mas sem o clima tenso da reunião da terça-feira (18).

Depois da discussão, foi colocado em votação o requerimento para a quebra de interstício, já que o projeto, de acordo com as normas do Congresso, só poderia ser votado dois dias após a apresentação do parecer do relator. Foi então que os governistas conseguiram apenas 15 votos contra 7 da oposição, quando seriam necessários pelo menos 18 votos favoráveis para o requerimento ser aprovado.

Acordo político

O PLN 36/2014 chegou a ser dado como aprovado na CMO em reunião na noite de terça (18), mas a oposição ameaçou pedir a anulação da sessão no Judiciário, e os líderes partidários acabaram concordando em retomar o exame da matéria nesta quarta. O acordo teve de ser fechado em reunião com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, com os líderes partidários de ambas as Casas.

Logo após o início da sessão, às 15h40, Mendonça Filho (DEM-PE) pediu desculpa a Jucá pelos excessos cometidos na noite de terça. Disse que a bancada do partido estava ali para deliberar, debater, defender os interesses do Brasil, a Constituição e a regra de convivência democrática baseada no regimento do Parlamento. O deputado, no entanto, manteve posição contrária ao projeto.

- Alterar a LDO reflete a falta de planejamento e de compromisso do governo com a estabilidade econômica. Vivemos um governo novo velho. A presidente Dilma semeou quadro irreal de céu de brigadeiro, e temos colhido o contrário depois do processo eleitoral. Prometeu reduzir a taxa de juros, que foi aumentada três dias após o resultado das eleições. A gente vive hoje um verdadeiro quadro de enganação. O projeto altera metas fiscais não cumpridas – afirmou.

O presidente da CMO, deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), disse que o acordo seria respeitado, mas fez questão de dizer não ter feito “nada de errado ontem [terça-feira]”.

Ao comemorar o acordo, o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) afirmou que nem a oposição nem o governo “estão acima dos regimentos ou da Constituição”.

- Houve excessos de ambas as partes, gostaria que essa sessão fosse definitivamente apagada dos anais do Congresso. A CMO é a mais importante comissão do Parlamento – disse Avelino, referindo-se à tumultuada sessão do dia anterior.

Para a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), houve falhas regimentais na sessão da terça, por isso os parlamentares terão de repetir a votação do projeto. Ela lembrou que, durante todo o ano, em poucas ocasiões a CMO conseguiu obter quórum para deliberações e pediu que a mobilização desta semana seja mantida até o fim de 2014.

Jucá agradeceu à oposição por aceitar dialogar com o governo.

- Apesar do confronto, ganha a política com esse acordo – pontuou.

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (PSDB-BA), afirmou que a presidente Dilma Rousseff “fere a Constituição ao descumprir o Orçamento de 2014 e depois pedir anistia”. Para ele, o fato “é um péssimo exemplo para os brasileiros”.

- A Lei de Responsabilidade Fiscal diz que tem que ter uma meta de superávit fiscal. Da maneira que está proposto no projeto fica vago, não se sabe quanto o governo vai deduzir; antes eram 67 bilhões [de reais] – afirmou.

Os deputados Domingos Sávio (PSDB-MG) e Izalci (PSDB-DF) reclamaram que o correto seria o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ser ouvido em audiência na CMO antes da votação do projeto. Para eles, o secretário precisa explicar a conjuntura que levou a resultado tão reduzido nas contas públicas, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal.

- Votar a matéria sem antes ouvir os argumentos do secretário do Tesouro é incoerência, ele trará argumentos que possam nos convencer – afirmou Izalci.

O deputado Cláudio Puty (PT-PA) concordou com o presidente Devanir ao afirmar que a aprovação da proposta na sessão tumultuada da terça “foi válida”, mas concordou com a nova apreciação para “reabrir o diálogo com a oposição”.

O líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), disse que o presidente da CMO “não cometeu nenhuma ilegalidade regimental” na reunião anterior. Ele ressaltou que a reunião não foi cancelada nem anulada, mas sim reaberta.

- Precisamos continuar investindo na infraestrutura brasileira com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento, que beneficia todos os governos estaduais. Os governadores atuais e os governadores eleitos não se insurgem contra o projeto. Não tem nenhuma confederação se insurgindo contra o projeto – disse Pimentel.

O deputado João Leão (PP-BA) elogiou o “acordo maduro” entre governo e oposição e lamentou o clima tenso da reunião do dia anterior.

- Pegue esta ata da reunião passada e toque fogo. Isso não pode mais acontecer – declarou.

O deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) criticou o projeto. Segundo ele, “se estivesse tudo tão bem” [na política econômica], o governo não estaria propondo a modificação na meta fiscal de 2014.

O presidente Devanir acrescentou que os parlamentares não devem esquecer “o descuido coletivo”, mas disse que não é aceitável que o erro se repita. O deputado Marcos Pestana (PSDB-MG) disse que presenciou “uma das mais vergonhosas noites do Congresso Nacional”.

Por sua vez, o deputado Felipe Maia (DEM-RN), avaliou que a presidente Dilma “cometeu crime de responsabilidade fiscal”. Para ele, o governo estava justificando o projeto com argumentos “falhos, falaciosos e falsos”.

- A arrecadação está caindo, o governo não vai ter recursos para obras. O governo deveria acabar com os cargos comissionados, são quase 25 mil, com os gastos dos cartões corporativos e das mídias. Hoje já temos um déficit de 15 bilhões de reais. É a falência do governo econômico do PT – afirmou.

O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) disse concordar com a colega Marta Suplicy (PT-SP), que criticou a atual equipe econômica do governo federal em sua carta de demissão do Ministério da Cultura.

Relatório

Em seu parecer, Jucá deu voto favorável ao projeto do Executivo e contrário às 80 emendas apresentadas. O senador acredita que a alteração da meta de resultado do superávit primário é necessária devido ao grande número de desonerações tributárias promovidas pelo governo Dilma e chanceladas pelo Congresso.

Além disso, pontua Jucá, o governo também promoveu inúmeros programas de investimentos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), transferências de recursos a estados, ao Distrito Federal e a municípios e gastos com programas sociais.

Ainda em seu relatório, Jucá afirma que a meta de resultado primário “não é imutável ou rígida”. Segundo ele, fixar ou alterar o número “tem o propósito básico de trazer ao conhecimento e ao debate público as consequências de todo o conjunto de decisões adotadas no campo econômico e fora dele”. O relator diz ainda que ajustar a meta evita também problemas maiores, como o comprometimento dos programas sociais.

Jucá apresentou seu relatório como substitutivo ao projeto original do governo, pois ele substituiu a expressão “meta de superávit”, do projeto, por “meta de resultado” e rejeitou 80 emendas apresentadas. A mudança foi entendida pela oposição como uma confissão de que o governo não fechará o ano com superávit, mas sim com déficit.

Mesmo com os ânimos apaziguados devido ao acordo político, momentos tensos voltaram a ocorrer, alguns deputados chegaram a dirigir comentários ríspidos ao relator.

Meta

De acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, a meta de superávit primário do governo para este ano é de R$ 116 bilhões, podendo abater deste objetivo até R$ 67 bilhões referentes a uma parte das desonerações tributárias de estímulo à economia e de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Assim, restaria ao governo cumprir um superávit de R$ 49 bilhões.

Como as contas públicas já acumulam déficit superior a R$ 20 bilhões até agora, o governo enviou ao Congresso o PLN 36/2014, com o intuito de acabar com o teto de abatimento de R$ 67 bilhões, o que permitiria o abatimento de até o total das desonerações e do PAC, montante que já passou de R$ 130 bilhões. Com isso, o governo ficaria à vontade para manejar o resultado do superávit.

Parâmetros

Durante e após a reunião, Jucá ressaltou a importância da aprovação da proposta. Segundo ele, o projeto evita o comprometimento da imagem do país diante de investidores e cortes nos investimentos públicos. Ele fez, porém, uma cobrança ao Executivo: disse que os parâmetros econômicos que orientam as leis orçamentárias – principalmente a LDO, que define as metas econômicas mais relevantes – precisam ser mais realistas, a fim de evitar mudanças como a protagonizada pelo PLN 36/2014.

- O governo precisa ter melhor planejamento, saber até onde pode chegar. Necessita propor parâmetros compatíveis com a realidade. Não adianta propor meta que não pode cumprir e números que não pode atingir - declarou Jucá.

O relator foi mais longe e disse que talvez seja preciso rever os parâmetros econômicos que estão na proposta orçamentária (LOA - PLN 13/2014) e na LDO (PLN 3/2014) de 2015, em tramitação na Comissão de Orçamento. O projeto da LDO prevê superávit primário de 2% em 2015 e crescimento do produto interno bruto (PIB) de 3%.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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