Apoio à descriminalização do porte de droga para consumo pessoal prevalece em debate

Iara Guimarães Altafin | 20/05/2014, 16h55

A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal foi defendida pela maioria dos convidados reunidos em debate nesta terça-feira (20) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em especial por aqueles ligados ao Direito. Já especialistas da área médica pediram cautela e apontaram a possibilidade de aumento do consumo de drogas pela redução da percepção de risco.

Para Maria Lúcia Karam, da entidade Law Enforcement Against Prohibition (LEAP), a criminalização do porte de droga, prevista na Lei 11.343/2006, fere a Constituição Federal. Ela argumenta que a prática oferece perigo apenas à saúde do usuário, dizendo respeito às suas opções pessoais, à sua intimidade e liberdade.

– Em uma democracia, o Estado não está autorizado a intervir em condutas dessa natureza. O Estado não pode tolher a liberdade dos indivíduos sob o pretexto de protegê-los. Enquanto não atinja concreta, direta e imediatamente um direito alheio, o indivíduo é e deve ser livre para pensar, dizer e fazer o que bem quiser — afirmou.

Na avaliação de Maria Lúcia Karam e de Ubiratan Araújo, da ONG Viva Rio, a guerra aos traficantes causa mais prejuízos ao país do que o consumo de entorpecentes. Conforme afirma, não seriam as drogas, mas a proibição do uso das mesmas que causa violência.

– É preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas para, assim, pôr fim ao mercado ilegal e devolver ao Estado o poder de regular, limitar, controlar, fiscalizar e taxar tais atividades, da mesma forma que o faz em relação às drogas já lícitas, como o álcool e o tabaco – disse a representante do LEAP.

Também a professora Beatriz Vargas Ramos, da Universidade de Brasília (UnB), criticou a criminalização do porte de entorpecentes e a ineficiência da política de combate às drogas.

— Em nome de uma abstrata saúde pública, os que defendem a criminalização do uso das drogas, por meio da prisão, têm produzido cadáveres, pessoas que morrem em nome dessa bandeira que é a guerra ao tráfico.

Ela citou estudo feito no Distrito federal, mostrando que 98,7% dos processos que geraram condenação por tráfico dizem respeito a apreensões de até dez quilos de maconha, cocaína e crack. Para a professora, os recursos e o tempo investido no combate às drogas chegam apenas aos “varejistas”, nome dado por ela a pequenos traficantes.

A opinião foi compartilhada pelo juiz José Henrique Torres, do Tribunal de Justiça de São Paulo, para quem a política antidrogas fere diversos princípios constitucionais, como o da racionalidade.

— Gastamos bilhões de dinheiro público, prendemos milhões de pessoas e essas medidas são ineficazes, são pífias – disse, ao ressaltar que as medidas até hoje adotadas não conseguiram conter o narcotráfico ou reduzir os níveis de consumo de drogas.

Riscos

A médica Analice de Paula Gigliotti, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria, reconheceu os custos da criminalização, entre eles os gastos para o combate a traficantes e o estigma social do usuário de drogas, mas também apontou custos da descriminalização.

– [Pode haver] um possível aumento do consumo pela redução da percepção de risco e, com isso, o aumento dos danos à saúde. Se há redução na percepção de risco, há aumento de consumo principalmente pelos adolescentes – afirmou.

Em analogia ao cigarro, ela observou que, em 1998, 35% dos brasileiros eram fumantes, índice que caiu para 13% hoje, resultado das medidas restritivas adotadas, como a proibição de fumar em locais públicos, e de campanhas antitabagismo.

Analice Gigliotti disse não haver informações suficientes para embasar mudanças na legislação e sugeriu a realização de pesquisas que possam subsidiar as decisões.

— Afinal, a melhor abordagem para o assunto não é a liberalizante ou a restritiva, mas a certa, e esta nós ainda precisamos descobrir qual é — frisou, ao apontar os diversos prejuízos à saúde pelo uso de entorpecentes.

Também o médico e pesquisador José Alexandre de Souza Crippa, da Faculdade de Medicina da USP, analisou os riscos do consumo da maconha. Ele citou estudo feito na Suécia, que acompanhou 50 mil pessoas por 35 anos e concluiu que o uso de maconha pode aumentar em 370 vezes as chances esquizofrenia. Destacou ainda pesquisas científicas mostrando efeitos negativos sobre áreas cerebrais de usuários da droga, mais evidentes nos jovens.

O professor Renato Malcher Lopes, da UnB, concordou que a maconha pode causar danos irreversíveis ao cérebro dos jovens, mas contestou dados de que o consumo da planta aumentaria o risco de esquizofrenia. Ele é favorável à descriminalização, mas com proibição de consumo para pessoas ainda em desenvolvimento, exceto em casos médicos.

Uso medicinal

Alexandre Crippa defendeu a legalização do uso medicinal de substâncias existentes na planta cannabis sativa, nome científico da maconha. Ele citou o caso da substância canabidiol, que não provoca efeitos psicoativos e reúne propriedades analgésicas e anticonvulsivantes, entre outras. O pesquisador citou as dificuldades dos pais da menina Anny, de cinco anos, em importar medicamento com a substância, para controlar crises convulsivas da filha. O caso foi noticiado pelo programa Fantástico, da TV Globo.

Substitutivo

Na presidência do debate, o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) detalhou mudança que apresentou ao artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o porte de droga. O parlamentar é relator do PLC 37/2013, que reformula a lei. O texto tramita na CCJ.

Conforme explicou, o artigo estabelece que, para determinar se a droga se destina a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

– Nós achamos que esta redação, quando fala em "circunstâncias sociais e pessoais", é um tanto quanto discriminatória, preconceituosa, dando margem a subjetivismo.

No substitutivo que apresentou ao projeto, ele exclui a expressão e determina que, “salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal, quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme limites definidos pelo Poder Executivo da União”.

Ao final da audiência pública, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse que as opiniões apresentadas no debate serão consideradas no relatório que o parlamentar prepara sobre a Sugestão 8/2014, encaminhada por meio do Portal e-Cidadania e que sugere a regulamentação do uso recreativo, medicinal e industrial da maconha.

A sugestão será analisada pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa do Consumidor e Legislação Participativa (CDH) e, se acolhida, será transformada em projeto de lei, que passará a tramitar no Senado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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