Para OAB, Supremo pode rever posicionamento que considerou Lei da Anistia constitucional

Anderson Vieira | 03/04/2014, 14h15

Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) já ter considerado a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) compatível com a Constituição — o que impede a punição de crimes cometidos por agente públicos durante a ditadura — o secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Cláudio Pereira de Souza Neto, disse que juridicamente é possível a Corte rever seu posicionamento adotado em 2010.

Em audiência na Comissão de Direitos Humanos sobre o tema, o advogado informou que o próprio Supremo permite a reabertura dos debates sobre questões já decididas quando surge fato novo relevante. Neste caso, há uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contrária à Lei da Anistia brasileira, pedindo que a mesma seja revista.

— A Corte se manifestou dizendo que a atual interpretação da norma é incompatível com os direitos humanos internacionais, posicionamento já consolidado em julgamentos pós-Segunda Guerra, que não admitiram, por exemplo, a tese de que agentes do estado alemão agiram cumprindo ordens de superiores hierárquicos. Este é um fato novo que justifica a reabertura do tema perante o STF — opinou Cláudio Pereira, nesta quinta-feira (3).

Ele explicou ainda que os tratados internacionais relativos a direitos humanos estão hoje no Brasil numa posição hierárquica abaixo da Constituição, mas acima de uma lei ordinária, como é a da Anistia.

— Nada impede que juízes nos casos concretos e em ações penais ajuizadas pelo Ministério Público Federal recebam as denúncias, processem e promovam o julgamento desses agentes públicos. Nada impede que isso ocorra com base no direito internacional de direitos humanos, por isso a OAB acredita no sucesso dessas ações penais e acredita que há possibilidade de o Brasil julgar as mortes e os desaparecimentos ocorridos no regime militar – disse.

Sem consenso

Promulgada no governo de João Figueiredo, a Lei 6.683/1979 foi responsável por conceder anistia política aos que praticaram crimes políticos e conexos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) promovida pela OAB há quatro anos, o Supremo entendeu que a lei é válida também para agentes estatais, por ter sido fruto de um consenso num período de abertura do regime, argumento questionado pela deputada federal Luíza Erundina (PSB-SP) e pelo senador João Capiberibe (PSB-AP):

— A votação da Lei de Anistia não foi fruto de um pacto ou de um consenso. Foi aprovada por uma diferença de poucos votos a favor da Arena em relação ao MDB. Ou seja, foi uma imposição do partido que sustentou a ditadura militar — afirmou.

Críticas

Justamente porque a lei não foi fruto de acordo, Luíza Erundina criticou a postura da presidente Dilma, que declarou recentemente não ser favorável a uma revisão do texto legal:

— A postura da presidente Dilma é de leniência. Por que esse receio [de rever a lei]? Não entendo, sobretudo para uma pessoa que pagou tão caro na época - disse a parlamentar, referindo-se à tortura sofrida pela chefe do Executivo durante o período militar.

Para Erundina, a Lei 6.683/1979 não foi fruto de acordo, como havia dito a presidente, mas é na verdade uma lei de auto-anistia, aprovada pelos próprios militares, aqueles "algozes que cometeram crimes bárbaros durante 21 longos e dolorosos anos da história brasileira".

Projetos

No fim da audiência, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) informou que a presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Ana Rita (PT-ES), vai por em votação na próxima semana o relatório de João Capiberibe sobre o PLS 237/2013, que torna sem efeito a anistia aos agentes a crimes cometidos por agentes da repressão.

A intenção dele é aprovar a matéria no Senado e encaminhar à Câmara para se anexada a um projeto semelhante da deputada Erundina.

Randolfe disse não acreditar que a presidente tenha ficado do lado de "velhos generais" ao não se posicionar a favor da revisão da Lei da Anistia:

— Não se trata de revanchismo. Mas não podemos ter no Brasil lei que anistia torturador, nem passarmos pela vergonha de sermos condenados por cortes internacionais porque temos uma lei imposta pela ditadura. A Alemanha fez a remissão de seus pecados de tal modo que cultuar o nazismo é hoje em dia crime. temos que concluir nosso demorado período de transição — afirmou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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