Solução de conflitos em terras indígenas terá maior presença do governo, garante Ministro da Justiça

Elina Rodrigues Pozzebom | 21/11/2013, 18h10

Para tentar resolver os conflitos entre índios e produtores rurais envolvendo a demarcação de terras indígenas, o governo federal está disposto a direcionar recursos especificamente para este fim por meio de um fundo, além de aumentar a transparência nos processos e a capacidade de intermediação do Ministério da Justiça nas disputas.

Foi o que afirmou o ministro José Eduardo Cardozo, em audiência publica da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, nesta quinta-feira (21).

- Há uma decisão política de se fazer isso. Estamos em conjunto com o Planejamento, a Secretaria Geral da Presidência e AGU [Advocacia-Geral da União] discutindo a melhor maneira de fazer – disse.

Por meio de um novo fundo, a ser criado e ainda sem dotação de verba prevista, a União poderá destinar recursos aos estados para indenizar os produtores rurais que precisarem ser deslocados de suas propriedades – pela terra e pelas benfeitorias – ou para a aquisição de territórios estaduais a ser transformados em reservas indígenas, detalhou o ministro durante a reunião.

Isso se aplica à Fazenda Buritis, em Sidrolândia (MS), cuja solução é considerada prioridade pelo governo. O processo, neste caso, está sendo mais demorado que o previsto – o prazo pedido pelo Executivo desde o último conflito está próximo do fim – porque alguns proprietários da fazenda não permitiram nem mesmo a avaliação da terra.

- Agora temos que caminhar na linha de fazer um acordo parcial e deixar o resto em litígio – revelou o ministro.

Portaria suspensa

O anúncio da suspensão da entrada em vigor da Portaria 303 da AGU gerou um dos momentos de tensão da audiência. A decisão causou indignação na senadora Katia Abreu (PMDB-TO. Para ela, houve” um recuo do ministro da AGU, por pressão de outros integrantes do governo”.

- Vocês estão agindo com irresponsabilidade, vocês vão assumir a responsabilidade com as mortes no campo, principalmente o senhor, Eduardo Cardozo omisso – bradou.

Kátia Abreu disse que apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido que as normas de criação da Reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, não valem automaticamente para a demarcação de outras terras indígenas, a portaria utilizou critérios do julgamento da demarcação de Raposa-Serra do Sol (RR), em 2009, como referência para orientar a ação de advogados públicos em questões de demarcação. Essa postura foi avaliada como correta pela parlamentar.

O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, que também participou da audiência, declarou que o texto está suspenso até a análise aprofundada das consequências da aprovação dos embargos, pelo STF, da votação de Raposa-Serra do Sol, e que essa postura busca obter segurança jurídica para as decisões.

Decreto de demarcação

José Eduardo Cardozo informou que na próxima semana encaminhará aos líderes indígenas, aos líderes dos produtores rurais e aos parlamentares a minuta da portaria que regulamenta o Decreto de Demarcação de Terras, para poderem opinar e sugerir mudanças e aperfeiçoamentos. Por meio dela, o ministério poderá atuar como mediador e julgador do processo de demarcação, pois hoje não tem condições de se aprofundar na mediação do conflito. Isso permitirá um reexame técnico das impugnações e questionamentos, frisou.

- A portaria dá nova especificação, garantindo mais transparência, mais instrução processual na demarcação de terras indígenas, garantindo que o direito de defesa possa ser feito de maneira a não permitir futuramente discussões judiciais que fazem arrastar as demarcações – disse.

A ideia é dar uma nova situação procedimental para as demarcações de reservas indígenas que respeite o protagonismo da Fundação Nacional do Índio (Funai), que legalmente tem a missão de conduzir o processo de demarcação, mas que garanta o direito dos que estão querendo impugnar a demarcação, para que possam ter mais informações e apresentar sua defesa, explicou o ministro. Serão criadas instâncias de conciliação e de revisão, sempre com o intuito de evitar a litigiosidade hoje existente em larga escala no processo de demarcação.

Lacuna

O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams apontou uma “ausência normativa” no que diz respeito à regulamentação das reservas indígenas. Ele cobrou do Legislativo a aprovação de lei complementar para normatizar o parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição e assim determinar o que pode ser considerado “relevante interesse público da União”. Isso daria poder à União para atuar de forma diferente com Buritis, por exemplo, podendo reconhecer a validade dos títulos emitidos pelo ainda estado do Mato Grosso, o que facilitaria uma possível indenização.

- A partir da lei, teremos um marco normativo que dê ao Estado o poder de exercer a discricionariedade vinculada, ou preservar o título ou indenizar o título gerando a oportunidade de compensação adequada ao proprietário da área – afirmou.

Adams também disse não ver sentido na aprovação de propostas que transferem da União para o Congresso (PEC 215/2000, na Câmara) ou para o Senado (PEC 38/99) a competência para definir as reservas indígenas, pois o processo continuaria vinculado, dependendo de estudos antropológicos, sem mudar a realidade do modelo de demarcação atual.

Buritis

O conflito envolvendo a demarcação de território indígena na Fazenda Buritis tomou grande parte dos debates, inclusive com a presença do governador do estado, André Pucinelli. Os senadores Waldemir Moka (PMDB-MS), Delcidio Amaral (PT-MS) e Rubem Figueiró (PSDB-MS) salientaram a perspectiva iminente de um verdadeiro massacre ocorrer na região se não houver uma solução adequada e urgente.

Moka defendeu a indenização aos proprietários, pois as injustiças com as populações indígenas são de toda a sociedade brasileira e, para ele, não cabe aos produtores rurais, detentores de títulos legais emitidos pelo estado, arcarem sozinhos com a conta da reparação, perdendo o seu meio de sobrevivência.

- Há uma decisão política. O governo está disposto a passar recursos para Mato Grosso do Sul para viabilizar a solução das terras de Buritis, e também em outras terras, seja indenizando proprietários ou adquirindo terras para áreas indígenas – garantiu Cardozo mais uma vez.

Segundo o ministro, há uma mesa de diálogo instalada – para debater Buritis e outros territórios em disputa pelo Brasil – e a intenção é de, nos próximos dias, encontrar alternativa que permita a negociação para a aquisição e assim resolver a questão de Buritis. O governador Pucinelli, inclusive, foi chamado pelo ministro à Brasília para discutir o assunto, por isso estava presente à reunião. Para Cardozo, é preciso que a negociação sobre a fazenda dê certo, pois será uma vitrine da proposta de diálogo encampada pelo governo. Outras áreas de conflito existem no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia, por exemplo.

Durante a reunião, Pucinelli chegou a apresentar um vídeo em que um policial de Mato Grosso do Sul foi morto por indígenas com golpes de facão e pancadas. O vídeo, segundo disse, teria sido feito pelos próprios índios, que tentaram negocia-lo posteriormente. Outros dois policiais morreram da mesma forma, revelou. Um indígena também chegou a ser morto durante ação de reintegração de posse na fazenda ocorrida há alguns meses.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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