Especialistas pedem recursos e legislação adequada para pesquisas com células-tronco

mmcoelho e Anderson Vieira | 25/06/2013, 15h35

O Brasil precisa investir mais em pesquisas com células-tronco, melhorar a legislação e as condições da pesquisa científica e tecnológica. Esse foi o consenso formado na audiência pública realizada pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado (CCT) nesta terça-feira (25) para debater novas tecnologias de células-tronco.

Durante a audiência, pesquisadores e representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde (MS) traçaram um panorama de como estão as pesquisas com células-tronco no país. Eles mostraram os avanços dos estudos com células-tronco mesenquimais, que são células-tronco adultas capazes de se diferenciarem em diversos tecidos, tal como ocorre com as células-tronco embrionárias.

Segundo a coordenadora do Centro de Estudo do Genoma Humano do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão, Mayana Zatz, essas células estão sendo preciosas para a pesquisa, pois o cientista pode reprogramar a célula da pele de um paciente para fazer qualquer linhagem celular desse paciente.

- Com isso, você pode estudar, nas diferentes células, como é que o gene se expressa, e, principalmente, fazer teste com drogas. Pode-se testar milhares de drogas nas células que, obviamente, não se poderia testar nos pacientes – afirmou a cientista.

Atualmente, segundo Mayana Zatz, o centro está estudando autismo, doenças neuromusculares e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Essa última é uma doença grave, em que se tem a morte dos neurônios motores e a perda rápida de toda a capacidade motora, a fala, a capacidade de engolir, embora a cognição seja mantida.

O diretor no Brasil da empresa americana GID, Sérgio Vieira, falou do uso das células-tronco mesenquimais retiradas do tecido adiposo possibilitando o tratamento de várias doenças ligadas à medicina regenerativa, como doenças vasculares, necroses e doenças autoimunes. Segundo Vieira, alguns países já estão realizando procedimentos em pacientes com sucesso.

- O tecido adiposo tem muito mais células do que o cordão umbilical ou a medula óssea. O acesso é fácil e dispensável, muito pouca gente quer a gordura. O enxerto é realizado com células frescas, sem manipulação de laboratório – explicou.

Investimento em pesquisas

De acordo com o chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (MS), Antônio Carlos Carvalho, o ministério investiu, desde 2005 até agora, mais de R$ 110 milhões em 150 projetos de pesquisa na área de células-tronco. O valor é considerado baixo se comparado ao investimento feito só no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, de US$ 3 bilhões, de acordo com Mayana Zatz.

Para a pesquisadora, também falta investimento do setor privado, que não encontra nenhum incentivo no Brasil, ao contrário do que ocorre em outros países. Ela defendeu a aprovação de uma “Lei Rouanet para as Ciências”, para incentivar doações de pessoas físicas à pesquisa.

- Nos Estados Unidos, você vê muito o pessoal dizer: “olha, eu vou dar US$ 1 milhão, US$ 2 milhões para pesquisar Alzheimer”, e há incentivos fiscais no imposto de renda para fazer isso. Isso aqui não existe – explicou Zatz.

Tramita na CCT o Projeto de Lei do Senado 474/2012, que permite dedução das doações a projetos de pesquisa científica e tecnológica da base de cálculo do imposto de renda de pessoa física. De autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), o projeto constou da pauta da reunião do dia 18 de abril, mas não foi votado por causa da apresentação de pedido de vista (tempo para análise) pela senadora Ângela Portela (PT-RR).

Legislação

Em relação à legislação, os participantes da audiência afirmaram que a Lei da Biossegurança  (Lei 11.105/2005) precisa ser revista a fim de ampliar o uso de células-tronco embrionárias para pesquisa. Segundo Carvalho, a lei é extremamente restritiva e está se tornando difícil derivar novas linhagens de células-tronco embrionárias humanas.

A Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/1993) foi considerada pelos debatedores um empecilho para as pesquisas, pois rege a importação de reagentes para os procedimentos científicos, o que atrasa os projetos.

Para a pesquisadora Mayana Zatz, a importação dos reagentes poderia ser feita como a importação de livros. Ela defendeu a aprovação de um projeto de lei da Câmara (PL 4411/2012) que propõe a eliminação da burocracia nesse processo por meio de um cadastro nacional de pesquisadores, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

- Enquanto nos Estados Unidos, na Europa, você tem uma ideia e no dia seguinte o material está na sua bancada e você pode testar, aqui a gente leva meses para conseguir material de pesquisa – disse Zatz.

Outro problema legislativo apontado pelos participantes é a proibição constitucional de se comercializar material genético humano. Para o representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Daniel Coradi de Freitas, essa proibição impede o desenvolvimento tecnológico, pois inviabiliza os investimentos privados no setor.

- Se não pode comercializar como se vai viabilizar o desenvolvimento tecnológico? – questionou Freitas.

Para o senador Walter Pinheiro (PT-BA), na área da ciência e da tecnologia, o legislador precisa traçar diretrizes e não escrever tratados, pois o avanço tecnológico é rápido e deixa as leis desatualizadas.

- É muito mais correto que a gente trace caminhos, e não, a cada ano, a gente precisar produzir uma legislação que encontre o desenvolvimento tecnológico.  Às vezes a gente tem esse mal costume de tentar escrever “Tratados de Tordesilhas” e, obviamente, a tecnologia supera essas letras – afirmou o senador.

Educação e Condições de Trabalho

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) questionou os debatedores sobre a importância da educação de base para a formação de bons cientistas para o país. Ele citou o programa Ciências sem Fronteiras do Ministério das Ciência, Tecnologia e Inovação, que promove o intercâmbio de cientistas brasileiros em outros países. Os cientistas depois voltam e devem permanecer no país para aplicar os conhecimentos obtidos.

Para os palestrantes, a educação de base precisa ser mais valorizada que a educação universitária. O programa Ciências sem Fronteiras foi elogiado, mas foi apontada a falta de recursos para o trabalho dos cientistas depois que voltam ao Brasil.

- A gente precisava inverter a pirâmide. Tem que dar dez vezes mais para a educação básica do que se dá para a universidade. No Japão e na Coreia, um professor de primário ganha mais do que um professor universitário. E eu acho certo – disse Mayana Zatz.

Daniel Freitas contou que os colegas que voltaram do Ciências sem Fronteiras reclamam da dificuldade de emprego ao chegarem ao Brasil.

- A possibilidade de entrar num instituto ou mesmo em empresas que invistam em desenvolvimento biotecnológico no Brasil não é grande e na área de terapia celular menos ainda – relatou.

A audiência pública foi aberta à participação popular por meio do Portal e-Cidadania e os palestrantes receberam perguntas dos cidadãos e dos senadores. Entre eles, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), o senador Walter Pinheiro (PT-BA) e o senador Zezé Perrella (PDT-MG), presidente da CCT.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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