Audiência reforça divergências sobre publicidade para crianças

gorette-brandao e Anderson Vieira | 29/04/2013, 18h00

Acentuadas divergências se evidenciaram em audiência realizada no Senado, nesta segunda-feira (29), para debater a publicidade infantil. Com base em argumentos sobre os malefícios das mensagens à formação das crianças, alguns expositores pediram a total proibição de propagandas de produtos e serviços dirigidas aos menores de 12 anos. Mas a ideia foi condenada pelos representantes das agências de publicidade, anunciantes e mídia, alinhados à tese de que, por meio da autorregulamentação, o mercado é capaz de corrigir desvios e abusos.

A audiência foi promovida pela Comissão de Modernização do Código de Defesa do Consumidor, criada no ano passado para examinar as propostas de alteração do Código de Defesa do Consumidor (CDC) produzidas por um grupo de juristas designado pelo Senado. Presidida pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), a comissão tem como relator o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

Inocência

O banimento da publicidade infantil na reforma da legislação foi pedida, por exemplo, por Isabella Henriques, diretora do Instituto Alana, entidade civil que atua na área de educação, cultura e assistência social. Segundo ela, estudos mostram que até os seis anos, em média, a criança sequer sabe distinguir a publicidade do conteúdo do programa infantil que acompanha. Para a especialista, a publicidade explora sem medidas a “inocência e a ausência de capacidade de julgamento” das crianças.

– Se a criança não pode comprar nada, já que é considerado incapaz, como admitir uma engrenagem publicitária tão persuasiva dirigida a ela? – questionou.

Para reforçar seus argumentos, Isabella trouxe para a audiência uma versão condensada do documentário Criança, a alma do negócio, dirigido por Estela Renner. No vídeo, especialistas de diversas áreas apontam problemas causados às crianças e adolescentes pela intensa exposição à publicidade, entre outros o consumo desregrado de alimentos nocivos, o que explicariam o aumento da obesidade infantil. Foram ainda citados estímulos à violência e ao roubo, tendo por motivo a intensificação do desejo pela posse de bens ligados a status.

Diante do número crescente de crianças com excesso de peso no Brasil, a diretora da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), Maria Edna de Melo, também saiu em defesa da proibição à publicidade de alimentos dirigida aos menores pelo menos nos horários em que eles estão mais expostos à TV. Ela apresentou aos parlamentares estudos realizados em outros países relacionando publicidade de alimentos à obesidade infantil. Uma das pesquisas demonstrou que aumento de 25 minutos na exposição semanal provoca aumento de 1,4% na ingestão de calorias.

– Criança é altamente influenciável. Banir uma publicidade direcionada significa protegê-la.  A publicidade pode não ser a única culpada, mas contribui. E, diante da situação alarmante que vivemos, vale a pena pensar muito sobre isso – advertiu.

Posição do mercado

Alexandre Jobim, um dos vice-presidentes da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), negou exploração e abuso na forma como o mercado vem trabalhando com a publicidade infantil. A seu ver, regras são necessárias, mas considerou que a legislação atual já oferece mecanismos. Segundo ele, tanto o Estado como os pais possuem meios para exercer a proteção ao “hiposuficiente”.

Jobim admitiu, contudo, mudança pontual no CDC para definir com maior clareza o conceito de "publicidade abusiva" em relação a crianças, um ponto considerado “subjetivo” também por outros expositores. Rechaçou, porém, a ideia de banimento da publicidade infantil: disse ser medida inconcebível quando a criança está cada vez mais “informada e conectada” com mundo, podendo fazer escolhas mais criteriosas.

– A criança está cada vez mais exercendo sua evolução intelectual, sabendo o que é certo e o que é errado com base na informação que recebe – avaliou Jobim.

Edney Narchi, um dos vice-presidentes do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), salientou a importância do Código do Consumidor. Segundo ele, a legislação é eficaz e atual, por isso chegou aos 20 anos com poucas modificações, nenhuma afetando seus princípios. Disse que o atual sistema forma um “modelo ideal”, a partir da conjugação do CDC com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e a atuação do próprio Conar.

– Não se pode admitir a formação de guetos normativos divorciados do CDC e das iniciativas de autorregulamentação, que desde o início procuraram uma intervenção mínima na ordem econômica e a desjudicializiação dos conflitos – afirmou.

Como indicativo da capacidade de autorregulamentação, o representante do Conar informou que, no ano passado, a entidade abriu 29 processos para avaliar abusos. Nesse ano, até o momento, outros 19 já foram instaurados. Além disso, destacou que as agências, veículos e anunciantes firmaram um acordo: nos anúncios dirigidos às crianças não mais haverá a exposição desse público à técnica do merchandising - a publicidade disfarçada no meio de uma cena, diálogo ou vestimenta de um filme ou novela, por exemplo.

Classificação etária

Aurélio Veiga Rios, subprocurador-Geral do Ministério Público Federal, disse enxergar maior abertura para a integração das posições até aqui divergentes. Ele se mostrou mais preocupado com outra questão no momento: o risco de se tornar inócua a atual classificação etária de programas por idade, devido ao exame de uma ação direta de inconstitucionalidade que o PTB apresentou ao Supremo Tribunal Federal.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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