Entidades repudiam acordo coletivo como base das relações trabalhistas

raissa-abreu | 22/11/2012, 13h45

Audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), nesta quinta-feira (22), transformou-se em ato de defesa da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de repúdio a um anteprojeto de lei do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que estabelece o acordo coletivo como base das relações trabalhistas.

O anteprojeto, de acordo com o site do sindicato, foi entregue ao governo federal em novembro de 2011, e estaria, com base em informações dos participantes da audiência, sob análise da Secretaria Geral da Presidência da República.

A proposta constitui, na avaliação de um dos debatedores, o auditor fiscal Marcelo Gonçalves Campos, “a pior ameaça que já vivemos na história do movimento trabalhista brasileiro”.

O documento, chamado de Acordo Coletivo de Trabalho Com Propósito Específico, propõe que um determinado sindicato profissional, habilitado pelo Ministério do Trabalho, e uma empresa do setor econômico correspondente possam estipular, com segurança jurídica, condições próprias de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa específica e às suas respectivas relações.

Para tanto, os sindicatos deverão ter representatividade comprovada, e a empresa, reconhecimento da representação sindical no local de trabalho e comprovação da não existência de praticas antissindicais. O instrumento, explica o sindicato em cartilha sobre o projeto, “dará efetividade aos direitos já previstos em lei, sem, no entanto, se chocar com a legislação existente”.

Sindicatos sob controle

O representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho disse acreditar, porém, que o projeto ameaça a autonomia do movimento sindical. Em última análise, o documento até abriria uma brecha para o controle do movimento sindical pelo Estado.

- Quem vai filiar os trabalhadores ao sindicato vai acabar sendo o dono da empresa, na medida em que os sindicatos precisarão de um percentual mínimo de sindicalizados para que os acordos sejam celebrados. Além disso, o controle dos sindicatos vai ser feito pelo Ministério do Trabalho, que vai conceder o registro para funcionamento. Ou seja, só vão poder negociar os sindicatos legitimados – disse Campos.

A avaliação de João Pedro Ferraz dos Passos, ex-procurador-geral do Ministério Público do Trabalho, vai na mesma direção. Para ele, a proposta do sindicato do ABC pulveriza as lideranças sindicais, colocando-as à disposição do empregador.

- A negociação coletiva deve ser estimulada, sim, mas o patamar mínimo tem que ser a CLT. Esse projeto tem que morrer no nascedouro – alertou.

Vivaldo Vieira Barbosa, advogado trabalhista e professor de Direito, disse que, ao pretender que o acordo prevaleça sobre a lei, o anteprojeto quer “inverter a história da legislação trabalhista”.

- O trabalhador é um ser universal. Ao trazer a discussão para dentro da empresa, a proposta lhe retira esse caráter político. Há o propósito ideológico nítido de atender ao vendaval neoliberal – disse.

Ubiraci Dantas de Oliveira, presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), observou que a CLT não impede a negociação coletiva; ao contrário, a estimula, ao estabelecer as convenções coletivas anuais. E sentenciou:

-  O Acordo Coletivo Especial abre espaço para rasgar a CLT e jogá-la na lata do lixo.

Assim como outros debatedores, Joilson Antônio Cardoso, representante da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), criticou a “supremacia do negociado sobre o direito conquistado” e o pensamento segundo o qual o que trava o desenvolvimento do país é sua legislação trabalhista.

- O desenvolvimento brasileiro precisa comportar a centralidade do mundo do trabalho – disse.

O senador João Costa (PPL-TO), disse que “O Brasil precisa crescer e se desenvolver, mas respeitando os direitos trabalhistas”.

Anteprojeto

O anteprojeto do Acordo Coletivo de Trabalho, segundo o site do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foi elaborado a partir da experiência dos sindicatos de Taubaté, Sorocaba e Salto, e contou com a contribuição de magistrados, empresários, estudantes, advogados, economistas, ministros de Estado, parlamentares, trabalhadores de diferentes categorias, dirigentes e centrais sindicais.

A cartilha que acompanha o documento no site da entidade aponta, entre as conquistas da classe trabalhadora mundial, o nascimento, no século 20, de “relações mais avançadas de convivência entre trabalhadores e empresas, com base na negociação coletiva”.

A CLT é apresentada como “faca de dois gumes”: “Valeu como passo importante para proteger direitos individuais dos trabalhadores, mas limitou seus direitos coletivos”. Após 70 anos, prossegue a cartilha, “Está cada vez mais consolidada a ideia de que o Brasil não pode mais prescindir de uma legislação que sustente e promova a negociação coletiva para atender e dar soluções, com segurança jurídica, a demandas e conflitos específicos entre empresa e trabalhadores. A regulação atual não dá conta dessa especificidade por ter um caráter uniforme e geral”.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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