Bucci: Indústria da imagem empobreceu o pensamento e aumentou promiscuidade na política

Nelson Oliveira e Paulo Cezar Barreto | 29/06/2012, 19h05

A sétima palestra do Fórum Senado Brasil 2012, na noite de quinta-feira (28), teve a marca da ironia. Convidado a falar sobre a democracia-espetáculo e a imagem da política, o jornalista Eugênio Bucci foi tratado como celebridade e atendeu, visivelmente satisfeito, os pedidos de autógrafos e fotos ao final.

Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), e presidente da Radiobras (atual EBC), durante o primeiro governo Lula, Bucci se apresenta como um crítico da imagem como mercadoria, num amplo espectro que vai da esfera comercial ao mundo da cultura e do entretenimento, mas que afeta sensivelmente o universo da política: justamente aquele que deveria ser resguardado pela austeridade e pela nobreza do pensamento reflexivo.

Para ele, dentro e fora da política, cada vez mais as imagens se sobrepõem às ideias:

- O marqueteiro substituiu o ideólogo. Os políticos precisam cada vez mais ser bons atores – constatou, dando como exemplo a eleição de Ronald Reagan, que saiu de Hollywood para a política e chegou a presidente dos Estados Unidos.

De acordo com Bucci, o mito da caverna de Platão, no qual os personagens são iludidos por sombras, segue muito atual num tempo em que acreditamos nas imagens como critério de verdade. No entanto, conforme frisou, a imagem nos afasta perigosamente das palavras, que é a base do pensamento capaz de formar juízos.

Bezerro de ouro

Embora o culto a imagens não seja uma novidade, como prova o bezerro de ouro da era bíblica, as facilidades da tecnologia, associadas ao modelo econômico atual, lançaram a humanidade num frenesi de consumo dominado pelo imaginário capaz de tornar acessória mesmo os equipamentos de infraestrutura.

- Antes os governantes se preocupavam em transformar o país num canteiro de obras. Agora eles se preocupam em parecer que estão transformando o país num canteiro de obras – observa Bucci, que é contrário à publicidade oficial, mesmo com as restrições à divulgação de logomarcas.

- Um governo que não pode anunciar se diz amordaçado, e alvo das críticas da imprensa, mas o que vemos na atualidade no Brasil é a maior parte da imprensa dependente de verbas públicas de comunicação. A exceção seriam os grandes meios privados - nota Bucci.

Para o professor da USP, criou-se nos agentes políticos a “convicção pétrea” de que imagem – traduzida também em tempo de televisão no horário eleitoral chamado gratuito - é o principal motor de votos. Eis porque as composições políticas são feitas, não em torno de programas ou de identidades políticas, mas com vistas a fatias de tempo na TV. O caso recente mais emblemático, de acordo com o jornalista, foi o do acordo entre o PT de Lula e o PP de Paulo Maluf, que acrescentou 90 segundos ao horário eleitoral do candidato petista à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad.

- Antes se dizia que tempo era dinheiro. Agora, imagem é poder. E tempo [por causa da imagem] é poder - parafraseou o jornalista.

Segundo Bucci, a publicidade não tem sido usada como um meio de o Estado cumprir seu dever de informar o cidadão. É, antes, propaganda do partido que está no poder, "promiscuidade entre público e privado". Ele citou vários números para provar que os anúncios oficiais são  a rubrica orçamentária que mais tem crescido nos governos de todas as esferas no Brasil. A Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, teria gasto R$ 470 mil em 2009 contra R$ 74 milhões em 2011.

Conforme Bucci, a linguagem da propaganda eleitoral e a da publicidade do governo é a mesma – até as equipes de produção são as mesmas. E o logotipo do governo substitui o retrato do governante, criando uma identificação “inequívoca, ainda que indireta” - algo que, para estudioso, viola os princípios constitucionais.

- Não é razoável o dinheiro de todos ser usado para ideias e imagens de uns poucos – protestou.

Em seu questionamento ao uso da mídia fora da propaganda eleitoral, Bucci estende sua crítica a programas como A Voz do Brasil e a veículos como a TV Senado e a TV Câmara. Para o jornalista, é preciso discutir se esses canais de comunicação servem para aumentar a transparência das atividades políticas ou como “palanque” para os detentores de mandatos, que obtêm assim vantagem sobre seus adversários.

A propósito, o jornalista fez uma avaliação da sua passagem pela Radiobras. Ele acredita que buscou tornar independentes as emissoras oficiais do Executivo:

- Mas devo admitir, de forma positiva, que hoje a EBC é mais independente do que a Radiobras era quando estive lá.

Controle da mídia

Ao lembrar que “há controle social sobre tudo”, Bucci lamentou a conotação ideológica responsável por esvaziar o sentido do controle social da mídia. O governo e a grande imprensa travaram uma acirrada disputa em torno do conceito de liberdade de imprensa, iniciada ao tempo em que Bucci ainda fazia parte da equipe de Lula. Ele defendeu parâmetros claros para as concessões de rádio e televisão no Brasil, de modo a garantir a diversidade e evitar distorções monopolistas, poder excessivo de políticos e vínculos com igrejas. Porém, como ressaltou, a regulação não deve entrar no mérito do conteúdo:

- Regulação não é de esquerda nem de direita, mas uma necessidade da democracia – definiu.

Para Bucci, a classificação indicativa, que “todos os países adotam”, não constitui censura e não pode ser confundida com a regulação de mercado para evitar conflito de interesses. Na sua opinião, o governo Lula, equivocadamente, centralizou  na instância que controlava a verba da publicidade oficial, a Secretaria de Comunicação (Secom), a discussão sobre regulação da mídia.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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