Pedro Simon defende prévias para escolha de candidatos à Presidência da República

Da Redação | 08/12/2008, 19h15

Em muitos dos seus discursos em Plenário, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) revela informações de valor histórico sobre a luta pela redemocratização e pelo fim do regime militar no Brasil. Ele usa essas informações ao argumentar em defesa de sua posição política independente da cúpula do seu partido, do governo e da oposição ou, no plano internacional, ao criticar, por exemplo, o governo americano pela mobilização da Quarta Frota da Marinha no Atlântico Sul ou, ainda, pela invasão do Iraque.

Pedro Simon expõe, em cada discurso, a experiência de mais de meio século de atividade política, que iniciou no movimento estudantil na década de 50 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde se formou em Direito. O senador, que está em seu quarto mandato, e completa 79 anos de idade em 31 de janeiro de 2009, começou sua carreira parlamentar em 1954, ao assumir uma cadeira na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul (RS).

Foi eleito pela primeira vez para o Senado em 1978. No final desse primeiro mandato, e após dois anos como ministro da Agricultura (1985-1986), no governo do então presidente José Sarney, venceu as eleições para o governo do Rio Grande do Sul, cargo que exerceu de 1987 a 1990. Desde o começo, sua carreira é marcada pela sua formação em Direito, a religiosidade (é católico franciscano) e a militância em defesa da democracia e dos direitos humanos.

Alguns de seus discursos foram reunidos no livro Reflexões para o Brasil do Século XXI cuja sessão de autógrafos no lançamento na feira do livro de Porto Alegre, no dia 6 de novembro, durou cinco horas. Em capítulos, a obra expõe o pensamento de Simon em títulos como "A mídia e a multiplicação da barbárie"; "Carta aberta a Rosa Cristina"; e "O Brasil no mapa do luxo", nos quais o autor denuncia, critica e relata problemas e propõe soluções para dificuldade do Brasil do século 21.

Em entrevista à Agência Senado, o senador fala sobre o livro e demais assuntos atuais, como sua proposta de realização de prévias para a escolha dos candidatos à Presidência da República. Também expõe situações pessoais, como quando leu em Plenário a "Carta aberta a Rosa Cristina", uma mensagem à mãe do menino João Hélio, morto nas ruas do Rio de Janeiro após ser arrastado por assaltantes que roubaram o carro em que estava, revelando que ele também havia perdido um filho.

Agência Senado - O senhor defende a escolha dos candidatos à Presidência da República em eleições primárias, a exemplo dos Estados Unidos. Como esse processo poderia ser implantado no Brasil?

Pedro Simon - Primeiro, analiso dentro do meu partido. Há dois anos o PMDB teve uma vitória espetacular, elegeu a maioria dos governadores, maioria dos deputados estaduais, federais e maioria dos senadores. Mas, apesar de termos vários nomes dentro do partido, não tivemos candidato à Presidência da República. O PMDB oficialmente não apoiou nem o [Luiz Inácio] Lula [da Silva] nem o candidato do PSDB.

Agência Senado - O senhor entende que o PMDB deve ter uma candidatura própria agora?

Pedro Simon - Não falo em candidatura própria do PMDB, porque posso fazer o jogo do [presidente do PMDB, Michel] Temer e companhia, que assim poderiam dizer que o Simon tem candidatura própria e vão negociar mais cargos, mais ministérios. O comando do PMDB é uma desgraça, não merecíamos isso. Então defendo uma prévia para que o PMDB decida se vai com o PT ou com o PSDB.

Agência Senado - Em Plenário, o senhor já propôs uma campanha com debates dos candidatos a candidatos (a exemplo das primárias americanas). Como seria?

Pedro Simon - O PMDB indicaria seu candidato: por exemplo, o governador do Rio, Sérgio Cabral, ou o Jarbas Vasconcelos; o PDT já tem: Cristovam Buarque; o PSB, o Ciro Gomes. Vamos dizer que o PT indique a Dilma [Rousseff] - a idéia é que esses candidatos percorram o Brasil em debates sobre suas propostas de governo para o Brasil.

Agência Senado - Num aparte a seu discurso do dia 17 de novembro, Cristovam Buarque disse que já tem o apoio do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e conta com dez universidades de várias estados brasileiros que se comprometem a sediar o debate. O senhor participa como candidato?

Pedro Simon - Não. Eu estou entrando nessa campanha, embora eu tenha que deixar claro que não sou candidato a coisa nenhuma.

Agência Senado - Essa é a forma de começar na prática a instituição das primárias no Brasil?

Pedro Simon - É. O PSDB já encaminhou uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a realização de prévias para escolher seu candidato, pois eles têm o governador José Serra e o governador Aécio Neves como candidatos à Presidência da República. O argumento deles é que lá pela tantas as prévias podem apresentar problemas com a legislação de propaganda eleitoral.Eu sei que não há esse problema porque o PMDB já fez prévias.

Agência Senado - Mas qual a diferença entre essa prévia e sua nova proposta?

Pedro Simon - Uma coisa é a prévia dentro de cada partido, a outra é minha proposta de fazer um grande entendimento fruto desse debate nacional em vez de a cúpula do PMDB decidir se vai apoiar o PT ou o PSDB.

Agência Senado - Então o senhor propõe que primeiro cada partido faça prévias para escolher seu candidato e depois os partidos que apóiam o governo decidam em debate nacional quem será o candidato da situação?

Pedro Simon - Exatamente. Porque agora, depois de participar de cinco eleições, o Lula não pode ser candidato. O PT não tem candidato natural. O Lula está indicando a Dilma, de quem eu gosto muito, uma bela pessoa. É só ver o que era o governo do Lula com o José Dirceu e agora com a Dilma. Quando era o José Dirceu, tudo que era corrupção saía da Casa Civil; agora não tem uma vírgula de errado da Dilma. Mas ela não é candidata natural. Por isso dentro do PT fala-se em prévia. É muito mais fácil a Dilma sair candidata do PT participando de uma prévia do que sem prévia, pois, na prévia, ela vai ter a chance de mostrar nos debates quem ela é e assim ganhar o apoio da maioria do seu partido.

Agência Senado - Agora vamos a outros assuntos dos quais o senhor tem tratado no Plenário do Senado. O senhor foi um dos primeiros parlamentares a alertar para a reativação da Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos no Atlântico Sul, logo depois que o Brasil anunciou a descoberta de petróleo na camada pré-sal dentro dos seus limites legais de exploração econômica.

Pedro Simon - Primeiro levantamos a questão em discurso no Plenário; pedimos audiência com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Ele nos contou uma coisa interessante: não foi informado de nada pelos americanos. Então, depois do meu pronunciamento na tribuna, Celso Amorim publicamente manifestou estranheza diante daquele fato: a mobilização da Quarta Frota no Atlântico Sul sem que o Brasil fosse oficialmente informado.

Agência Senado - Como o senhor vê o desenvolvimento dos fatos?

Pedro Simon - Os americanos se consideram donos do mundo. Durante a campanha presidencial dos Estados Unidos, escrevemos uma carta para [Barack] Obama e outra para [John] McCain e nenhum respondeu, obviamente. O embaixador americano procurou Celso Amorim e disse que ele procurasse a [secretária de Estado,] Condoleezza Rice, mas Celso Amorim respondeu que ela é quem deveria procurar o embaixador brasileiro nos Estados Unidos.

Agência Senado - Então ela procurou o embaixador e disse que a missão da Quarta Frota era humanitária. O senhor acredita?

Pedro Simon - Ora, está escrito nas memórias do embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, que durante o golpe militar de 1964, para derrubar o governo João Goulart, a Quarta Frota americana estava na costa brasileira na expectativa de que Jango resistisse ao golpe, então eles entrariam contra o Jango e aí teríamos - como o Vietnã teve e a Coréia ainda tem - o Brasil do Norte e o Brasil do Sul. Houve o momento, quando havia as ditaduras militares dos países do cone sul, em que os americanos instalaram aqui na América do Sul suas escolas de tortura.

Agência Senado - O senhor é um político independente tanto em relação à cúpula do seu partido, como em relação aos governos e, portanto, tanto criticou o governo Fernando Henrique Cardoso quanto o governo Lula. Uma das suas críticas ao governo Fernando Henrique foi o preço da privatização da Vale do Rio Doce.

Pedro Simon - Fui muito mais crítico ao Fernando Henrique do que ao Lula. Eu era líder do [governo] Itamar [Franco] e continuei líder do governo Fernando Henrique no Senado até que ele vetou a criação da CPI das Empreiteiras. Uma das minhas principais críticas ao governo Fernando Henrique foi quanto ao processo de privatização. A privatização da Vale do Rio Doce foi uma doação da empresa pública a um grupo privado. Fernando Henrique vendeu a Vale por menos do que o governador do Rio Grande do Sul, Antônio Brito, vendeu a Companhia de Energia Elétrica do Estado [CEEE]. Essa companhia elétrica era uma das empresas mais endividadas do Brasil. Temos uma ação no Superior Tribunal de Justiça contra a privatização da Vale do Rio Doce.

Agência Senado - Durante o governo Fernando Henrique houve um movimento de privatização da Petrobras e do Banco do Brasil?

Pedro Simon - Mas o Congresso reagiu e Fernando Henrique mandou uma carta aberta ao Congresso se comprometendo a não privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil. A carta foi resultado de um acordo para que o Congresso aprovasse a retirada do monopólio estatal do Petróleo da Constituição.

Agência Senado - E agora como fica a exploração do petróleo do pré-sal?

Pedro Simon - Não podemos deixar o controle do petróleo do pré-sal com a Petrobras. Essa empresa hoje é uma companhia nacional, mas a maioria das ações, dos donos, é formada por estrangeiros, principalmente americanos. O capital é estrangeiro, principalmente americano. Não são eles que decidem, mas são eles que ganham o dinheiro do nosso petróleo. Por isso não podemos deixar o pré-sal com a Petrobras, pois assim vamos enriquecer esses acionistas da Petrobras.

Agência Senado - O senhor defende a criação de outra empresa para exploração do pré-sal?

Pedro Simon - Não. Defendo a criação de uma empresa para o controle do pré-sal e a Petrobras pode ser contratada por essa empresa para exploração, perfuração de poços, etc. Isso eu também defendi para os minérios na época da privatização da Vale do Rio Doce. Em vez de entregar a riqueza mineral brasileira para a Vale do Rio Doce, se criaria uma empresa de controle das jazidas que concederia a exploração para a Vale por determinado preço. É o que se pode fazer com o petróleo do pré-sal.

Agência Senado - No seu livro, Reflexões para o Brasil do Século XXI, o senhor trata como criminosos os bombardeios no Iraque?

Pedro Simon - Pois é. E veja que agora [George] Bush diz ter se arrependido de acreditar de acreditar no relatório da CIA sobre as armas de destruição em massa do Iraque. Mas já ficou provado que ele sabia que aquele relatório dos órgãos de espionagem americana era mentiroso. A ONU vetou a invasão do Iraque, mas eles foram mesmo contra a decisão de países como França, Alemanha, Itália, Brasil e quase o mundo inteiro.

Agência Senado - Na introdução do seu livro, o senhor fala da história de Mário José Josino, morador de uma favela em São Paulo, que no caminho para casa foi parado por uma blitz policial, espancado e morto por um soldado chamado Rambo. O senhor diz que pouco se sabe hoje sobre o paradeiro da mulher e do filho de Josino e do soldado Rambo e nada se sabe sobre quantos são os "Josinos" e "Rambos" que não viraram notícia no Brasil. O assassinato de Josino ocorreu em 1997. O senhor considera que atualmente a situação é diferente em matéria de violência policial?

Pedro Simon - Infelizmente essa ainda é a realidade no Brasil. A polícia bater no preso para fazê-lo confessar um crime é fato desde antes da ditadura, embora durante a ditadura tenha piorado. Quando eu estava na Faculdade de Direito, nós tínhamos um programa de assistência judiciária gratuita, nós íamos à penitenciária oferecer assistência judiciária aos coitados que não tinham nada para contratar advogado. Então desde aquela época havia isso, quer dizer: democracia, plenitude democrática, etc. Então isso não mudou.

Agência Senado - Então a tortura na cadeia para pobre continua?

Pedro Simon - Por isso me revoltei com o escândalo que fizeram porque algemaram o banqueiro Daniel Dantas. A casa quase veio abaixo porque algemaram o banqueiro. O escândalo era só porque ele era banqueiro, rico. Então eu disse: 'Mas eu não estou entendendo por que esse escândalo; prisão com algemas acontece todo dia e ninguém se revolta. Por que agora? Só porque ele é rico, banqueiro?' Pobre não conhece justiça: tem pobre que não tem certidão de nascimento e não tem atestado de óbito. Tem favelas em que o IBGE não entra.

Agência Senado - Nesse tema da violência, no capítulo do seu livro, há uma "Carta a Rosa Cristina". Como e por que essa carta teve tanta repercussão?

Pedro Simon - Primeiro porque o número de pessoas vítimas de violência é muito maior do que se imagina: gente que foi assaltada, que perdeu um filho ou que foi torturada. Os casos como o de João Hélio, que viram notícia, chamam a atenção, mas todo dia alguém é vítima de violência.

Agência Senado - Quando se fala na insegurança das cidades, se fala em polícia corrupta ou polícia mal paga, mas em Brasília, por exemplo, temos uma das polícias mais bem pagas do Brasil e há insegurança até no Plano Piloto, onde as pessoas são assaltadas às 8h da noite em frente a um bloco residencial. Como explicar isso?

Pedro Simon - A corrupção, a bandalheira, existe muitas vezes porque a polícia é mal paga, embora na vida pública brasileira os mais bem pagos são os que roubam mais. Mas a tortura e a violência não têm nada a ver com isso. O pobre coitado que é torturado não entra nem na Justiça.Mas o senhor banqueiro entra com dez habeas corpus, tem 40 advogados, etc. O que acho interessante é que no caso de Daniel Dantas trocaram o delegado, trocaram o procurador e continuam a chegar às mesmas conclusões.

Agência Senado - O senhor já disse que os discursos de Plenário não são noticiados pela mídia comercial. Mas discursos como o da "Carta a Rosa Cristina" teve repercussão. Qual o papel da TV Senado nessas situações?

Pedro Simon - A TV Senado está mudando a história do Brasil; antes da TV Senado a cobertura das atividades do Congresso era uma coisa dramática. Tínhamos as discussões mais radicais, mais importantes, durante a votação de um projeto e o Jornal Nacional botava "foram tantos votos contra tantos". Como era que o parlamentar iria explicar sua posição em relação àquele projeto? Hoje, a TV comercial vai atrás da cobertura da TV Senado. É impressionante a audiência da TV Senado.Quando estamos votando matéria importante, num lugar no interior do Rio Grande do Sul, os vereadores, o prefeito, o homem da Igreja, o dono do boteco - todos estão vendo a TV Senado. Quando ocorre qualquer votação importante da qual participo, escuto na rua o comentário: 'Gostei, senador'. Então, hoje o Congresso, graças à TV Senado e à TV Câmara, conta com a participação da sociedade.

Agência Senado - No seu livro, ainda, o senhor aborda em um dos capítulos o papel da mídia nessa situação de violência, a forma com que o anti-herói é apresentado nas novelas.

Pedro Simon - Nós convocamos aqui dois ou três principais autores de novela e mostramos o que está acontecendo nas novelas. Há 20 anos, era o clássico: o mocinho ficava com a mocinha, o bandido terminava condenado. Hoje, não. A [TV] Globo tem um serviço de pesquisa diário, pesquisa qualitativa; em cada capítulo, o autor faz a novela, mas como ela vai se desenvolver, o telespectador é quem decide; o bandido vira herói e o herói vira bandido, porque a pesquisa de opinião pública decide.

Agência Senado - O senhor fala da TV pública no seu livro. Qual a sua visão da TV pública?

Pedro Simon - Eu passei vinte anos defendendo a TV pública. Digo que em um país do tamanho do Brasil, onde em certos lugares do interior da Amazônia leva-se dias de barco para chegar no primeiro lugarejo onde se possa comprar alguma coisa, o meio que vai introduzir a cultura, a formação política, a informação sobre o Brasil atual, o mundo moderno é a televisão. Então, se houvesse uma grande TV pública, uma espécie de BBC no Brasil...

Agência Senado - O senhor acha que a TV pública hoje pode ser um embrião disso?

Pedro Simon - Um embrião sim, mas como está é uma desgraça. É abuso que se passe tanto tempo debatendo e o governo implante [a TV pública] por medida provisória. Tinha que ser um projeto de lei, para se passar dois anos discutindo, debatendo.O conselho foi todo nomeado pelo presidente da República em vez de ter representantes das universidades, da [Ordem dos Advogados do Brasil] OAB, das igrejas. Então hoje é essa audiência decepcionante. Não falei da crítica que faz a oposição, que diz que ela foi feita para fazer propaganda do governo - e faz realmente.Mas isso é o que menos me preocupa, desde que tivesse uma programação boa. Acho um crime criar a TV pública por medida provisória.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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